22 julho, 2024

Pétala nº 3827


“Fui para Paris em meados dos anos setenta e fui ali muito pobre e muito infeliz. Gostaria de poder dizer que fui feliz como Hemingway: «Paris nunca se acaba, e a memória de cada pessoa que ali viveu é diferente da memória de qualquer outra (…)  éramos muito pobres e muito felizes”

«Depois de se viver em Paris, fica-se incapacitado para viver em qualquer sítio, Paris incluído.(John Ashbery)
O passado, dizia Proust, não só não é fugaz, como não sai do sítio. Com Paris passa-se o mesmo, nunca partiu em viagem. E ainda por cima é interminável, nunca se acaba.” 
“Que Paris nunca acabasse deve ter sido para Quiroga (…) um verdadeiro pesadelo. Vejam o que escreveu no seu diário: “Que angústia tão grande! Há momentos em que quase choro. E acontecer-me isto em Paris, sem ter uma única pessoa a quem recorrer! Cada dia que passa, em vez de ter mais esperança, é mais escuro»

“Pensem quais podem ser as razões básicas para o desespero. Cada um de vocês terá as suas. Proponho-vos as minhas: a volubilidade do amor, a fragilidade do nosso corpo, a opressiva mesquinhez que domina a vida social, a trágica solidão em que no fundo todos vivemos, os reveses da amizade, a monotonia e a insensibilidade que andam associadas ao costume de viver. No outro lado da balança, encontramos Paris. Essa cidade, talvez porque nunca se acaba e porque, além disso, é maravilhosa, pode com tudo, pode com todas as causas que ao homem se deparam para ser infeliz.” 

 “… quando me ouvirem dizer (…) que Paris nunca se acaba, o mais provável é que o esteja a dizer ironicamente.”
“Uma frase de Rilke «Conquistai as profundidades, a ironia não desce aí.» E uma de Jules Renard: “A ironia é o pudor da humanidade.» Vou ser sincero: as duas frases, por muito discutíveis que sejam, parecem-me perfeitas. Embora da que mais goste seja a minha: «A ironia é a mais elevada forma de sinceridade». 

ENRIQUE VILA-MATAS, escritor espanhol (1948-), in “Paris Nunca se Acaba”(2003), Ed. Teorema, 2005

(“Paris nunca se acaba” é uma revisão irónica dos tempos de aprendizagem literária do narrador na Paris dos anos setenta, e é também o título do último capítulo de "Paris é uma festa", romance póstumo de Ernest Hemingway, publicado tem 1964.)

ERNEST HEMINGWAY, escritor norte-americano (1899-1961) - Prémio Nobel de Literatura, 1954
JOHN ASHBERY, poeta norte-americano (1927-2017)
MARCEL PROUST, escritor francês (1871-1922)
HORACIO QUIROGA, escritor /contista uruguaio (1978-1937)
RAINER MARIA RILKE, poeta e romancista austríaco (1875-1926) 
JULES RENARD, escritor francês (1864-1910)


Paris? 
Gosto tanto de Paris.
A melhor cidade quando se está apaixonado, a pior quando não se está.”

PATRÍCIA REIS, jornalista e escritora portuguesa (1970 -), in
Chave de entendimento para uma sinfonia perdida”, Ed. Expresso, 2018 

(fotos PIXABAY)

Boa semana!


15 julho, 2024

Pétala nº 3826

"as palavras são armas, como metralhadoras"
(Sándor Márai, in  “Libertação”)


"(Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós.)”
JOSÉ LUÍS PEIXOTO, escritor português (1974-), in “Em teu ventre”, Ed. Quetzal, 2015

“Se tivesse de dizer qual a maior invenção humana, diria: a palavra. É uma ferramenta fundamental na construção da nossa humanidade. É um motor de busca, um telescópio, um radar, um sensor para a grande pergunta que somos. E é a mediação para o encontro fundamental connosco mesmos, com o outro e com o Todo Outro que é Deus.”
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA , cardeal, teólogo e poeta português (1965-) em entrevista Christiana Martins, publicada na revista "E", do jornal Expresso de 22 Abril Dezembro 2023

“… para as coisas mais importantes da vida as palavras são muito poucas. O que é que podemos dizer sobre Deus? Nada. Eu, pelo menos, não consigo. O que é que podemos dizer sobre o amor? Quase nada. Não temos palavras para isso. O que é que podemos dizer acerca da morte, para além do óbvio? Nada. Mas em literatura é possível dizer um pouco mais.
Mesmo que não se use a palavra Deus, pode-se sentir o toque do que podemos chamar Deus. Pode-se descrever uma relação amorosa de maneira verdadeira. A literatura serve para dizer o que não se consegue dizer de outra maneira.”
JON FOSSE, romancista, dramaturgo, poeta norueguês (1959-), em entrevista a José Riço Direitinho, publicada na revista “Ípsilon” do jornal Público de 22 Março 2024.

"A vida é assim, está cheia de palavras que não valem a pena, ou que valeram e já não valem, cada uma que ainda formos dizendo tirará o lugar a outra mais merecedora, que o seria não tanto por si mesma, mas pelas consequências de tê-la dito."
JOSÉ SARAMAGO, escritor português (1922-2010)
Prémio Nobel de Literatura, 1998



Obras de MANUEL CARGALEIRO, ceramista e pintor português (1927-2024)


08 julho, 2024

Pétala nº 3825

"Walter Benjamin disse que um anjo nos recorda tudo o que esquecemos."
(Enrique Vila-Matas, in "Paris Nunca se Acaba")


“Não é por envelhecermos que esquecemos.”

“Uma lembrança nunca morre, apenas adormece.”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "A breve vida das flores", Ed. Presença, 2022


"A memória é voluntária e o esquecimento também.”

"A minha maneira de lidar com a memória é confiar-lhe unicamente aquilo que ela depois tem orgulho em recordar.”
 
“Dizem que, à medida que envelhecemos, nos lembramos melhor dos primeiros anos. Eis uma das muitas e grandes ciladas que nos aguardam: a vingança senil.” 

JULIAN BARNES, escritor inglês (1946-), in “Amor & Cª”, Ed. Quetzal, 2023 


“… os velhos, como tirando isso não têm mais nada para fazer, contam o passado como ninguém. Não vale a pena procurar nos livros ou nos filmes: como ninguém.”

“… quando um velho morre é uma biblioteca que arde…”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "os esquecidos de domingo", 2015, Ed. Presença, 202

(Fotos: PORTUGAL/Cascais - São Pedro do Estoril, 2024)

01 julho, 2024

Pétala nº 3824

“Quando começo a escrever nunca sei nada do que me vai chegar. 
É deixar-me ir até onde a história me levar.”
(Jon Fosse, in Ípsilon, 22 Março 2024)
 

"De que passado parecem fugir eles? Inseparáveis desde o dia em que se conheceram, quando Asle era tocador de violino e a sua música era como o canto do pai de Alida, sabem que só se têm um ao outro..."

“Para onde vamos, diz Alida 
Ora, quem sabe, diz Asle 
Vamos até onde chegarmos, diz ela 
Vamos para onde nos levar o caminho, diz ele”

"Temos de partir em breve, diz ele
Mas para onde, diz ela
Para Bjørgvin, diz ele
Mas como, diz ela
Navegamos, diz ele
Então precisamos de um barco, diz ela
Eu arranjei um barco, diz Asle
Vamos descansar um pouco primeiro, diz ela
Então só um pouquinho, diz ele"

“A vida começa agora, diz ela 
Agora vamos a navegar no mar da vida, diz ele 
Acho que não consigo adormecer, diz ela 
Mas podes ficar aí deitada a descansar, diz ele 
É bom estar aqui deitada, diz ela
É bom que te sintas bem, diz ele 
Sim, nós estamos bem, diz ela e escuta o vaivém do mar e a Lua brilha e a noite é como um dia estranho e o barco desliza em frente, em direcção ao Sul, ao longo da costa"

"Tudo é muito mais agradável a dois, diz ela"

JON FOSSE, romancista, dramaturgo, poeta norueguês  (1959-), in “Trilogia” (2014), Cavalo de Ferro Ed., 2021
Prémio Nobel de Literatura, 2023

(Diálogos encontradas nas 204 páginas do livro, aqui alinhados a meu gosto.)


"Trilogia é uma parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e a redenção."
Três histórias - Vigília (2007), Os Sonhos de Olav (2012) e Fadiga (2014) - que se fundem numa única história misteriosa, comovente, fascinante, de leitura compulsiva.
A escrita sem pontuação de Jon Fosse, primeiro estranha-se, depois entranha-se. (Aconteceu-me o mesmo com a escrita de José Saramago. Comecei a ler "Memorial do Convento", estranhei, coloquei de lado... e por lá ficou anos a fio. Curiosa e furiosa comigo própria, um dia voltei a Saramago... e só parei na última página do último romance publicado pelo autor)

É belíssimo este romance. Uma pétala!
Eu, já decidi: vou ler tudo, tudo, o que  Jon Fosse já publicou e o que vier a publicar. 

(Foto net: fiordes da Noruega)


24 junho, 2024

Pétala nº 3823


“As autoridades medievais levavam os animais a tribunal e avaliavam seriamente os seus delitos; nós pomos os animais em campos de concentração, enchemo-los de hormonas e cortamo-los aos bocadinhos, para que nos façam lembrar o menos possível uma coisa que já cacarejou ou baliu ou mugiu. Qual dos mundos é mais sério? Qual é moralmente mais avançado?” 

“Vimos ao mundo, olhamos em volta, fazemos certas deduções, livramo-nos das velhas patranhas, aprendemos, pensamos, observamos, concluímos. Acreditamos nos nossos próprios poderes e na nossa autonomia; transformamo-nos na nossa própria obra. (...) 
E que tal darem-nos a hipótese de morrer quando nos apetecer, quando estivermos fartos?” 

JULIAN BARNES, escritor inglês (1946-), in “Nada a temer”, Ed. Quetzal, 2020


"Para superar os vícios da natureza humana, primeiro seria preciso alcançarmos a verdadeira humanidade do SER."

DOUGLAS MELO, conhecido no seu blogue "DOUG-BLOGcomo  Doug, é um jornalista, escritor, blogueiro, professor/PhD (Philosophiæ Doctor) brasileiro (1970-)

(fotos PIXABAY, montagem minha)



OBRIGADA, meu querido amigo!


17 junho, 2024

Pétala nº 3822

"Sem nenhuma razão
O dia pôs a capa da tristeza."
(Miguel Torga)


"E outro dia finda
Nesta vida pequena, é preciso não morrer de tédio…"
VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "A breve vida das flores", Ed. Presença, 2022

"Os problemas a sério começam numa sociedade quando o tédio se converte no seu traço mais genérico. O tédio leva até as pessoas tranquilas a trilharem caminhos que nunca imaginaram.”
CORMAC McCARTHY, escritor americano (1933- 2023), in “O Passageiro”, Ed. Relógio d’Água, 2022)

"O tédio é a ausência de projectos, de perspectivas. Giramos em volta de nós mesmos. Esperamos sem nada esperar, nada retendo da espera senão a dimensão suspensa de um tempo vazio."

"O tédio é uma revolta contra a imobilidade. Não encontramos nada para fazer, não procuramos nada para fazer. Estamos desesperados connosco."
FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), in "CAMINHAR uma filosofia" (2009), Ed. Antígona, 2024


“A realidade não é apenas o que o olho vê e não somente o que o ouvido escuta e o que a mão pode tocar, mas também o que se esconde do olho e do toque dos dedos e se revela às vezes, só por um momento, para quem procura com os olhos do espírito e para quem sabe ficar atento e ouvir com os ouvidos da alma e tocar com os dedos do pensamento.”

AMOS OZ, escritor israelita (1939-2018)


"Rasguemos horizontes
penetremos bem fundo
nesta nuvem cinzenta e tenebrosa
que paira insistentemente
nos céus da nossa desilusão."

MÁRIO MARGARIDE,https://poesiaaquiesta.blogspot.com/, versos do poema 
 “Que a esperança se acenda em nós”, 2 Janeiro 2024


10 junho, 2024

Pétala nº 3821

“Somos todos filhos da terra.”
(Abdulrazak Gurnah, in "Junto ao mar")


“Falo com os mapas. E às vezes eles respondem-me. Não é tão estranho quanto parece, nem é tão-pouco inaudito. Antes da existência dos mapas, o mundo era ilimitado. Foram os mapas que lhe deram a forma e o aspecto de um território, de uma coisa que podia ser possuída, e não apenas arrasada e saqueada. Os mapas tornaram os lugares na orla da imaginação alcançáveis e domesticáveis. E, mais tarde, quando essa necessidade surgiu, a geografia transformou-se em biologia, para construir a hierarquia com a qual seria possível identificar os povos que, inacessíveis e primitivos, viviam noutros sítios do mapa.” 

“Sou um refugiado, um requerente de asilo. Não são palavras simples, ainda que o hábito de as ouvirmos assim as façam parecer. (…) É um pequeno clímax comum nas nossas histórias, abandonar o que conhecemos e chegar a lugares estranhos, carregando fragmentos de bagagem desirmanada e reprimindo ambições secretas e incompreensíveis. (…) O que sabemos puxa-nos constantemente para o que não sabemos…

ABDULRAZAK GURNAH, escritor nascido em Zanzibar, em 1948, a viver em Inglaterra desde a década de 1960, in “Junto ao mar”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022 
Prémio Nobel da Literatura, 2021


A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
D' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?

LUÍS VAZ DE CAMÕES, poeta português (1524-80)
"Fala do Velho do Restelo", de OS LUSÍADAS



(fotos net)

03 junho, 2024

Pétala nº 3820


“Todos os anos, a 16 Agosto, Ana Magdalena Bach apanha o ferry que a leva até à ilha onde a mãe está enterrada, para visitar o seu túmulo. Estas viagens acabam por ser um convite irresistível para se tornar uma pessoa diferente durante uma noite por ano. Ana é casada e feliz há vinte e sete anos…” 

 “- Posso oferecer-lhe uma bebida? 
 - Seria um prazer – respondeu ela. 
Ele passou para a mesa dela e serviu-lhe uma bebida com muito bom estilo. 
- Saúde – disse. 
Ela fez coro com ele e ambos beberam de um trago. 
(…) 
Subimos? 
Ele tinha perdido o poder. 
- Eu não moro aqui – disse. 
Ela não esperou sequer que ele acabasse de o dizer. 
- Mas moro eu – disse, e levantou-se e sacudiu levemente a cabeça para a dominar. 
- Segundo piso, número 204, à direita das escadas. Não toque, é só empurrar. 
Subiu para o quarto com o terror delicioso que não voltara a sentir desde a noite de núpcias. (…) 
O seu horário natural despertou-a às seis horas. (…) ele não estava. (…) Só então se apercebeu de que não sabia nada dele, nem sequer o nome, e a única coisa que lhe restava da sua noite louca era um triste cheiro a lavanda no ar purificado da tormenta."
 
"Nunca mais voltaria a ser a mesma."
"(…) foram-lhe necessários vários dias para tomar consciência... de que andara sempre pela vida sem a ver.

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, escritor colombiano (1928. 2014), in “Vemo-nos em Agosto”, Ed. Dom Quixote, 2024
Prémio Nobel de Literatura, 1982


Confesso: tive muita dificuldade em encontrar o estilo exuberante, fascinante, inconfundível de Gabriel García Márquez, nas 116 páginas deste romance. Li apenas mais uma história. Com a diferença de esta ser publicada à revelia de um dos maiores escritores de sempre, que antes de morrer expressou o desejo de que fosse queimada, por falta de qualidade.

(Foto Pixabay: gladíolos )


27 maio, 2024

Pétala nº 3819

"Para onde nos atrai o azul?"
(João Guimarães Rosa)










DESAFIO, em tons de Azul
Hoje a pétala é sua! 
Busque inspiração numa imagem e solte a imaginação.
Antecipadamente, eu agradeço. 💙

Fotos:
1ª, 2ª, 3ª Porto Santo, 2023
4ª, 5ª Cuba/Varadero, 2023
Maldivas, 2022
7ª, 8ª Cascais,2022
Madeira, 2010

Boa semana!


20 maio, 2024

Pétala nº 3818

"ver o Diferente, ver o Semelhante"


“Duas pedras que nos parecem iguais são bem distintas para um geólogo, dois gémeos que nos parecem iguais, são bem distintos para a mãe que os ama (...)

O pensamento mais completo é aquele que diante dos factos, dos acontecimentos e das várias coisas que existem no mundo, conseguem perceber as inúmeras diferenças e as inúmeras semelhanças.(...)"


"No diário de um dos grandes filósofos do século XX, Cioran, ele escreve: “Que seria eu, que faria eu sem as nuvens?
Uma bela pergunta.
Cioran depois acrescenta: Passo a maior parte dos dias vendo as nuvens passar.”
As nuvens que, para algumas pessoas, são todas iguais e por isso aborrecem; e as nuvens que, para algumas pessoas, são todas diferentes e, por isso, entusiasmam."

"Estar vivo, em parte, não é fácil, porque muitas vezes se instala a ideia de que tudo é apenas uma repetição: comer de novo, e de novo lavar o prato; de novo o sol – e tudo o que se repete debaixo dele – e, de novo, as nuvens. 
Conseguir encontrar entusiasmo nas semelhanças e conseguir encontrar entusiasmo nas diferenças, eis o difícil.”

GONÇALO M. TAVARES, professor e escritor português (1970-), in crónica “Moscas e nuvens – ver o diferente, ver o semelhante”, revista "E", jornal Expresso, 3 Março 2023
EMIL CIORAN, filósofo, escritor romeno, radicalizado em França (1911-95)

Fotos de duas amigas:
Chica: "Céu e palavras"
Roselia:  "Amor azul"


13 maio, 2024

Pétala nº 3817

"O inalcançável é sempre azul."
(Clarice Lispector)

“O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta.”
Versos de Alberto Caeiro, heterônimo de FERNANDO PESSOA poeta português (1888-1935), 
in "Antologia poética ("O guardador de rebanhos XXIII"), R.B.A. Editores, 1994

"Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu".
Versos de FERNANDO PESSOAin "Mensagem".
(Pétala deixada em comentário pela amiga OLINDA MELO, http://xailedeseda.blogspot.com/.)

"Quando o sossego é só sossego e a visão do mar espraia a nossa
identidade
sentimo-nos cúmplices da terra na densidade azul"

ANTÓNIO RAMOS ROSA, poeta português (1924-2013), in “Poesia presente”, Ed. Assírio &Alvim, 2014


“Água, sal e vontade – a vida!
Azul – a cor do céu e da inocência”

MIGUEL TORGA, poeta português (1907-95), in "Poesia completa" (versos do poema "Ao Mar"), Ed. Dom Quixote, 2000


“bebo o azul do céu pelos olhos”

PABLO NERUDA, poeta chileno (1904-73), in "Crepusculário" (verso do poema "O povoado"), 1923 
Prémio Nobel da Literatura, 1971


"Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul."

CLARICE LISPECTOR, escritora e jornalista brasileira nascida na Ucrânia (1920-77)


(Fotos: PORTUGAL/Cascais, 2024)

Boa semana!

05 maio, 2024

Pétala nº 3816

"Deus espera na escuridão."
(Valter Hugo Mãe))


Deus é exactamente como as mães. Liberta seus filhos e haverá de buscá-los eternamente. Passará todo o tempo de coração pequeno à espera, espiando todos os sinais que Lhe anunciem a presença, o regresso dos filhos. 
Deus é exactamente como são as mães, que criam e depois vão ficando para trás, numa distância que parece significar que não são mais precisas, e Ele, como elas, só sabe amar acima de qualquer defeito e qualquer falha, com cada vez mais saudade, mas não sabe o caminho, não sabe por onde os filhos foram, só pode suplicar que não se percam e não se percam da vontade de voltar. (…)

Deus como as mães, corre os dias inteiros à janela e escuta. Qualquer bulício Lhe acelera o coração. Se existem passos em redor de Sua casa, se alguma voz o  chama, palpita como doido de alegria na esperança de ter um filho em visita. (…) 
Exactamente como as mães, Deus cozinha seus pratos favoritos e acredita que agora ficarão para sempre ou, ao menos, regressarão todos os fins-de-semana, todos os meses, que não vão ficar separados, sem notícias tanto tempo, porque dói demasiado. (…)
Deus, como são as mães, tem a impressão que vai morrer se não voltar a ver os filhos. (…)
 
“Todos deveríamos amar como amam as mães, que julgo ser como Deus ama.”

VALTER HUGO MÃE, escritor português (1971-), in “Deus na escuridão”, Porto Editora, 2024



2ª foto: net

29 abril, 2024

Pétala nº 3815


“Ler, uma actividade em extinção, por muito que as livrarias estejam cheias de feéricas capas, por muito que se diga a gigantesca asneira de que ler num ecrã de telemóvel é o mesmo que num livro (experimentem a Montanha Mágica ou a Guerra e Paz…), ou que a “geração mais preparada” pode fazer um curso superior sem ler um livro (bem, dois, três e já é muito), e por aí adiante. 
Falar e escrever bem também estão em extinção, com a redução do vocabulário circulante a puco mais do que os antigos 140 caracteres do Twitter, agora 280 no X, o que vai dar ao mesmo - a enorme dificuldade de expressão que se vê todos os dias e por todo o lado.
Qual é o problema? É que quem não lê, não fala e não escreve decentemente, é menos livre, mais facilmente manipulado, menos eficaz em coisa alguma importante, mais fácil de ser mandado e de não mandar nem em si próprio. Ou seja, repito, menos livre. (…)
 
Na verdade, quem defende esta nova forma de ignorância agressiva e de deslumbramento tecnológico não são os novos ignorantes, mas os antigos ignorantes, a quem as redes sociais dão uma ilusão de igualdade e presunção de saber que transporta todos os preconceitos da ignorância com o ressentimento em relação ao saber e ao esforço de saber. São a forma actual do anti-intelectualismo trasvestido de modernidade, cujos estragos na educação, no jornalismo, na sociedade, na cultura e na política são devastadores (…)
É que ler é entrar em todos os mundos, alegres e sinistros, apaziguadores e violentos, nossos e alheios, e que nunca acabam.” 

JOSÉ PACHECO PEREIRA, licenciado em Filosofia, historiador, professor universitário, cronista e político português (1949-), in crónica “Porque é que ler conta e muito, para a liberdade”, jornal Público, 9 Março 2024


(fotos Pixabay)

22 abril, 2024

Pétala nº 3814

"Acuso!, protesto!, acuso!
De que me vale?"
(José Régio)


CÃNTICO NEGRO

Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas nossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como a um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pais, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah! que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!

JOSÉ RÉGIO (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira), nasceu em Vila do Conde, em Setembro de 1901. Foi professor, escritor e desenhador. Faleceu em Dezembro de 1969.
Poemas de Deus e do Diabo”, o seu primeiro livro de versos, foi publicado em 1925, era ainda estudante do curso de filologia românica, em Coimbra. A maioria dos poemas do livro foi escrita na adolescência.
No posfácio da edição de 1969 escreveu:
"Um escritor presente à cena literária durante mais de quarenta anos – acha riquíssimas oportunidades de observação no palco, na plateia, nos bastidores. E várias coisas que de momento lhe haviam interessado vivamente – a quase só fumarada e algazarra se lhe reduzem depois. Claro que não tem que se arrepender. Sem a faculdade da ilusão, que movimento e que acções nos seriam possíveis? Só tem que aprender. E até continuar a enganar-se, a iludir-se, a errar, a tactear, se para verdadeiramente continuar a aprender lhe for isso necessário. (…)
Não me arrependo das polémicas em que tenho entrado: umas vezes provocadas por mim, outras desafiado por elas.(…)
Se o polemista não está de todo cego, ou o não é sem remédio, até na polémica pode dizer coisas interessantes, inteligentes ou justas de parte a parte."


(fotos net)

15 abril, 2024

Pétala nº 3813

"Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!"
(Florbela Espanca)


“Falo com a vida como se estivesse a falar com uma pessoa, com um anjo ou com Deus. Torno-a numa entidade com quem se fala.” 
JORGE PALMA, músico, compositor e cantor português (1950-), em entrevista a Nuno Pacheco, revista Ípsilon, jornal Publico, 28 Abril 2023 

“Tenho duvidado da existência de Deus: os adultos mentem sempre, e foram eles que me falaram da existência de Deus.” 
SILVINA OCAMPO, escritora argentina (1903-93), in “As Convidadas - O diário de Porfiria Bernal”, Ed. Antígona, 2022” 

“… se acreditasse em Deus, não quereria prostrar-me à frente dele e pedir-lhe perdão. Limitar-me-ia a agradecer-lhe todos os dias, por tudo.” 
SALLY ROONEY, escritora irlandesa (1991-), in "Mundo Belo, onde Estás" (Beautiful World, Where Are You, 2021), Ed. Relógio D'Água, 2021 

"Eu acho que Deus é uma projeção humana, é um desejo infinito que nós temos de adoração, e de algo que nos suspende com o sentido absoluto."
ADÉLIA PRADO, filósofa, professora, contista e poetisa brasileira (1935-) 



Aos olhos dele

Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa;
Pelo azul do ar. E assim fugiram
As minhas doces crenças de criança.

Fiquei então sem fé; e a toda a gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!

Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor...
E grito então ao ver esses dois céus:

Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m'encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!

FLORBELA ESPANCA, poetisa portuguesa (1894-1930)

(fotos Pixabay)

08 abril, 2024

Pétala nº 3812

“… gelado de chocolate e framboesa. Pura felicidade.”
(Valérie Perrin, in "os esquecidos de domingo")


“Existem vários mitos em torno do conceito de felicidade. O ter dinheiro, sucesso profissional, mais recentemente, nalguns jovens, ser famoso. Mesmo a velha frase ser rico não dá felicidade, mas ajuda muito, não é verdadeira. O contrário é bem mais real. A pobreza raramente está relacionada com a felicidade, porque a falta de bens materiais, implica frequentemente falta de saúde, que é um dos indicadores de felicidade.”

“Então, como é que eu posso ser feliz?
(…) vale a pena pensar sobre a importância de cultivarmos a relação com os outros. (…) Com os amores, com a família, com a senhora ou com o homem da caixa do supermercado, com quem nos serve o café todos os dias. Viajar, comer bem, conhecer sítios bonitos é bom, mas contribui muito pouco para a nossa felicidade."

O mais importante na vida e que gera mais felicidade e infelicidade, são as relações que temos e as formas como as vivemos.

JOSÉ GAMEIRO, psiquiatra português (1949-), in ensaio “A receita para a felicidade”, publicado na revista "E", do jornal Expresso, 5 Maio 2023

Felicidade não há.
Creio no contentamento,
Na alegria e o intento
De ser feliz. O maná
Não cai do céu, nem virá
Como a graça do divino,
O ser busca pelo tino
Um algo transcendental
Que só virá no final
Da vida, como destino.

(Comentário, Pétala nº 3710)

(fotos net)