31 março, 2025

Pétala nº 3851


“Não queria estar na cama, preferia o sofá. Voltava-se sempre para a parede e sofria em solidão, incapaz de evitar os sofrimentos que não tinham cura e, igualmente em solidão, cogitava no mesmo problema, também sem solução. Que vem a ser isto? Será mesmo a morte?” 

"Em imaginação revivia, um a um, quadros da sua vida passada. Quanto mais para trás ficavam as memórias, mais vida havia nelas. Mais bondade, mais vida em tudo – a qualidade de vida e a própria vida entrelaçavam-se. «Como os sofrimentos pioram cada vez mais, piora cada vez mais a vida», pensava. Um ponto luminoso, lá muito para trás, no início da existência; depois, cada vez mais escuro, mais negro, ganhando velocidade. «Inversamente proporcional ao quadrado da distância até à morte», ocorreu a Ivan Iliitch. Guardara na alma a imagem de uma pedra em queda livre, com aceleração constante. «Estou a cair…» (…) «Se ao menos eu percebesse para quê tudo isso…»

«Não há explicação! Sofrimento, morte… Para quê?» 

«Teria andado, realmente, durante toda a vida, a vida consciente, por maus caminhos?» 

«Ainda estou a tempo de fazer o certo. Que é o certo?» 

LEV TOLSTÓI, escritor russo (1828-1910), in “A Morte de Ivan Iliitch” (1886), Ed. Presença, 2024


“À medida que a morte se aproxima, Ivan Iliitchi passa revista à sua vida, que em breve terminará. Nunca o estimado juiz havia dedicado um minuto do seu tempo a reflectir sobre a sua inevitável finitude.”

"Todos havemos de morrer. Não custa assim tanto."
(Lev Tolstói)


É comovente e reflexivo este enorme romance, de apenas 109 páginas, publicado em 1886.
E são tantas, mas tantas, as questões sobre o envelhecimento, o sofrimento, a morte, que continuam sem resposta
Uma pétala!

24 março, 2025

Pétala nº 3850


“ … Estou de muito mau humor. Preciso de desabafar.
- Calha bem. Eu também estou de mau humor. Mas tu, porquê?
- Porque estou zangado comigo. Porque é que aproveito todas as ocasiões para me sentir culpado?
- Isso não é grave.
- Sentirmo-nos culpados ou não. Penso que tudo se resume a isto. A vida é uma luta de todos contra todos. É sabido. (…) Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá quem confessar o seu erro.(...)
- Quem se desculpa declara-se culpado. E se tu te declaras culpado encorajas o outro a injuriar-te, a denunciar-te publicamente, até à tua morte. São essas as consequências fatais da primeira desculpa.
-É verdade. Não é preciso desculparmo-nos. E, todavia, eu preferiria um mundo onde todas as pessoas pedissem desculpa, sem exceção, inutilmente, exageradamente, por nada, onde se atravancassem de desculpas…”

MILAN KUNDERA, escritor checo (1929-), in “A festa da insignificância”, Ed. D. Quixote, 2014


Os amigos estão sempre a dizer-nos para termos cuidado. Para estarmos de sobreaviso. Mas, possivelmente, quanto mais cuidado temos, mais expostos ficamos. Talvez tenhamos de nos entregar nas mãos do nosso anjo da guarda. Sou até capaz de começar a rezar… Não sei ao certo a quem. Mas talvez me tire algum peso dos ombros, o que te parece?
Acho que deves seguir o teu coração.”

CORMAC McCARTHY, escritor americano (1933- 2023), in “O Passageiro”, Ed. Relógio d’Água, 2022)


"- Como vai isso?
- Vai indo. Gostaria que fosse amanhã… O presente atrapalha-me… Não sei o que fazer dele."

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(Fotos: BRASIL/Natal - Touros, 2024)


"A Primavera é um rio a correr para um lugar longínquo onde já é Outono."

Obrigada Luís, por mais um mimo primaveril.
 Que a Primavera lhe traga dias de felicidade e criatividade. 


17 março, 2025

Pétala nº 3849

"Todos os homens são iguais.
Mas alguns são poetas."


Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um xadrez silencioso.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

JORGE LUIS BORGES, escritor argentino (1899-1986)


Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

DANIEL FARIA, poeta português (1971-1999)


Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis.

BERTOLT BRECHT, dramaturgo alemão (1898-1956)

(Fotos: PIXABAY)

10 março, 2025

Pétala nº 3848

“Uma mulher a chorar no metro é sempre uma desconhecida. Para os outros e, muito provavelmente, para si própria.”

“… temos sorte até a sorte se esgotar.
Nessa altura, teremos de criar a nossa própria sorte.”

“Como é que nós sabemos, como é que alguém sabe quando passa da fase de ser possível ultrapassar os problemas para a fase em que já é demasiado tarde? Existirá… um interlúdio durante o qual se está tão aborrecido ou desapontado ou tomado pelo arrependimento que é, de facto, demasiado tarde? Ou, mais concretamente, será que chegamos ao é demasiado tarde uma e outra vez, apenas para voltarmos a ultrapassar os problemas antes que chegue o é demasiado tarde outra vez?”

MICHAEL CUNNINGHAM, escritor norte-americano (1952-), in “dia”, Ed. Gradiva, 2024


“A força conquista a fraqueza… é um simples facto da vida, não é?”

“Na vida, temos de empreender acções decididas… Fazer o que queremos fazer… agarrar aquilo que queremos. Quando queremos acabar com alguma coisa, ACABAR. E viver com as consequências.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


“«Quando a vida nos tira uma coisa, dá-nos outra.» Mas às vezes a vida engana-se. Faz batota ao dar as cartas. Às vezes a vida mente-nos, abusa da nossa credulidade.”

“Tornamo-nos aquilo que fazem de nós e que aceitamos.”

Não se prende a espuma
Na palma da mão
Sabe-se que a vida se consome
E não resta nada
De uma vela que ilumina
Podes ainda decidir o teu caminho
Do teu caminho
Crês que tudo se resume
Ao sal entre os nossos dedos
Quando mais leve que uma pena
Podes guiar os teus passos
Sem tristeza nem amargura
Avançar, avança, pois tudo desaparece.

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(fotos: PIXABAY)


03 março, 2025

Pétala nº 3847

Conversa de mulheres...


“ Sabe Deus o que se passa na cabeça deles diz Maise Dos homens
Eu sei diz Rosin Tentar arrancar duas palavras ao Martin era como fazer uma pedra sangrar Até ao dia em que se virou para mim e me disse que já não me amava
O mesmo com o meu Derek diz Maise É um autêntico bloco de madeira exceto quando está a ver os jogos da primeira divisão É então que liberta as emoções todas Ele e a Sky Sports É o romance do século”


“No último ano e meio nem conseguia com que o Martin olhasse para mim
O meu é tão mau quanto isso diz Geraldine Foi por isso que arranjei o Mickey Misterioso
Comigo é pior diz Maise Anda sempre atrás de mim a querer qualquer coisa
E como é que isso é pior diz Geraldine
Maise inspira profundamente pelo nariz Só estando lá para perceberes diz ela
E tu? Ainda o fazem? Pergunta Geraldine
Quem eu? Diz Imelda
Quem eu? Imita-a Geraldine com uma gargalhada
De vez em quando diz Imelda É sempre muito…
Tenta pensar numa palavra que não certinho mas não lhe ocorre nenhuma
Certinho diz ela
Eu não me importo que seja certinho diz Geraldine
Eu cá não diria que não a um certinho diz Roisin nem hesitava
Não tenho tido muita vontade ultimamente diz Imelda Nenhum de nós tem
Casados e com filhos – o derradeiro antiafrodisíaco diz Geraldine Quem me dera que alguém mo tivesse dito quando estava a pagar dois mil por um vestido de casamento”

PAUL MURRAY, escritor irlandês (1975-), in “A Picada de Abelha”, Ed. Livros do Brasil, 2024


Eu não quero mais chorar
Por causa de um amor qualquer
Minha dor tem que acabar
No carnaval, se deus quiser

GILBERTO GIL, músico, cantor, compositor brasileiro (1942-), versos da canção “Amor de Carnaval”, 2003

É Carnaval... não levem a mal!

(fotos: Pinterest e Pixabay)