"A forma como Israel esmagou Gaza é imperdoável."
"Tudo é demasiado extremo, demasiado avassalador."
"... as palavras deixaram de conseguir conter a realidade."
"A última vez que o vi em Lisboa disse que, como escritor, preferia não ter de falar de política. É possível evitar o assunto nestes dias?
Não, é impossível, A política está em todo o lado. A realidade brutal está em todo o lado. O que temos estado a viver nestes 13 meses é para além do acreditável e afeta cada mínima parte da nossa vida. Escrever tornou-se também muito difícil. (…)
Então, se o silêncio já não é uma opção, a escrita também não é… ?
O silêncio é impensável. Mas sabe, seja o que for que eu disser, posso contradizer-me de imediato. Esta é a natureza da situação: tudo o que possa ser dito sobre ela é certo e verdadeiro, mesmo tratando-se de visões contrárias. Estou também a tentar escrever sobre esta realidade, para mim mesmo, porque preciso de compreender certas coisas através do exercício da escrita. Sinto-me confundido. E as pessoas, em geral, estão deprimidas (…) invadiu-nos um sentimento geral de depressão, os nossos corações estão despedaçados. Todas as pessoas que conheço estão não só melancólicas como profundamente tristes. Eu estou profundamente triste. Creio que não há outra saída após termos conhecido o Mal, a pura maldade daquilo que os seres humanos podem fazer. E, quando digo isto, refiro-me a tudo o que se está a passar, a começar pelo massacre de 7 de outubro.
A guerra desencadeada por Israel é também sem precedentes. Como é acordar todos os dias rodeado dessa violência?
Significa não ser capaz de viver em paz, e a saber que a partir de agora isso será uma miragem. Que mesmo que a paz seja possível entre Israel e a Palestina, o que há anos defendo e desejo profundamente, não haverá tranquilidade nem o sentimento de estabilidade. Há uma espécie de estreiteza da alma que tomou conta da vida. Uma pessoas só quer encolher-se e proteger-se e proteger aquela superfície da sua alma que entra em contacto com a realidade.
O que vai ficar destes escombros? Como se sai daqui?
Não se sai. Temos sempre de recordar uma coisa: nós e os palestinianos vamos viver lado a lado até à eternidade. Que tipo de paz se pode fazer com um vizinho com quem nos comportamos deste modo? E que tipo de paz pode ele esperar de nós se não reconhece a nossa existência? Estamos apenas a minimizar as hipóteses de ter alguma normalidade no futuro."
"Estamos a sentir e a sofrer, mas também estamos a pensar. Não podemos renunciar a pensar."
DAVID GROSSMAN, escritor israelita e activista pela paz (1954 -), excertos
da entrevista a Luciana Leiderfarb, revista “E", jornal Expresso, 3 janeiro 2025
(fotos net)
Boa semana!
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