29 julho, 2024

Pétala nº 3828

“Sabemos sempre porque caminhamos. 
Para avançar, partir, alcançar, recomeçar.”
(Frédéric Gros, in "CAMINHAR uma filosofia)


"Toda a gente sabe caminhar. Um pé à frente do outro, eis a medida certa, a distância para se ir algures, seja aonde for. E basta recomeçar.
Um pé à frente do outro."

"Quando se caminha, é preciso partir de madrugada, a fim de se acompanhar o nascimento do mundo e, nessa hora azul, sentir as palpitações da presença, a indigência da nossa vontade."

"Caminhar ao amanhecer é compreender a força dos começos naturais."

"A paisagem é um conjunto de sabores, cores e odores que o corpo absorve."

"É um dos segredos da caminhada. A aproximação lenta das paisagens torna-as familiares, tal como a convivência aumenta a amizade."

"A lentidão é colarmo-nos ao tempo a ponto de os segundos se desfiarem. Escoarem-se gota a gota. Como pingos de chuva sobre a pedra. Esse alongamento do tempo aprofunda o espaço."

"Os dias passados a caminhar são mais longos: permitem viver mais porque deixámos que cada hora, cada minuto, cada segundo respirasse, se aprofundasse..."

FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), in "CAMINHAR uma filosofia" (2009), Ed. Antígona, 2024

"Caminhar é uma oração silenciosa, que não se faz com palavras, mas com as pernas, que avançam. É uma expressão de gratidão, um modo de prestar homenagem à paisagem e ao mundo."

FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), em entrevista a Pedro Rios, publicada na revista Ípsilon, jornal Público, 12 Abril 2024 


“O tempo pode passar de modo mais subtil ou explícito, mas passa. O tempo – que não é só cronológico, mas expressão da própria existência – é passagem, fluxo, travessia.”
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal, teólogo e poeta português (1965-), em entrevista a Christiana Martins, publicada na revista "E", do jornal Expresso de 22 Dezembro 2023 

“… dentro do tempo, o que será verdadeiramente importante?"
PATRÍCIA REIS, jornalista e escritora portuguesa (1970), in “Chave de entendimento para uma sinfonia perdida”, Ed. Expresso, 2018 


“O tempo arrasta-nos,
e empurra-nos,
ilude-nos
e alaga-nos em remoinhos de lodo.
Envelhece-nos e mata-nos a todos.”

JAIME PORTELA, https://riosemmargenspoesia.blogspot.com/versos do poema
"O Tempo", 18 Março 2024


(Fotos: PORTUGAL/Albufeira do Alqueva, 2022. Mais fotos aqui.)


Volto em Outubro.
Até lá, fiquem bem.
Beijos e Abraços.


22 julho, 2024

Pétala nº 3827


“Fui para Paris em meados dos anos setenta e fui ali muito pobre e muito infeliz. Gostaria de poder dizer que fui feliz como Hemingway: «Paris nunca se acaba, e a memória de cada pessoa que ali viveu é diferente da memória de qualquer outra (…)  éramos muito pobres e muito felizes”

«Depois de se viver em Paris, fica-se incapacitado para viver em qualquer sítio, Paris incluído.(John Ashbery)
O passado, dizia Proust, não só não é fugaz, como não sai do sítio. Com Paris passa-se o mesmo, nunca partiu em viagem. E ainda por cima é interminável, nunca se acaba.” 
“Que Paris nunca acabasse deve ter sido para Quiroga (…) um verdadeiro pesadelo. Vejam o que escreveu no seu diário: “Que angústia tão grande! Há momentos em que quase choro. E acontecer-me isto em Paris, sem ter uma única pessoa a quem recorrer! Cada dia que passa, em vez de ter mais esperança, é mais escuro»

“Pensem quais podem ser as razões básicas para o desespero. Cada um de vocês terá as suas. Proponho-vos as minhas: a volubilidade do amor, a fragilidade do nosso corpo, a opressiva mesquinhez que domina a vida social, a trágica solidão em que no fundo todos vivemos, os reveses da amizade, a monotonia e a insensibilidade que andam associadas ao costume de viver. No outro lado da balança, encontramos Paris. Essa cidade, talvez porque nunca se acaba e porque, além disso, é maravilhosa, pode com tudo, pode com todas as causas que ao homem se deparam para ser infeliz.” 

 “… quando me ouvirem dizer (…) que Paris nunca se acaba, o mais provável é que o esteja a dizer ironicamente.”
“Uma frase de Rilke «Conquistai as profundidades, a ironia não desce aí.» E uma de Jules Renard: “A ironia é o pudor da humanidade.» Vou ser sincero: as duas frases, por muito discutíveis que sejam, parecem-me perfeitas. Embora da que mais goste seja a minha: «A ironia é a mais elevada forma de sinceridade». 

ENRIQUE VILA-MATAS, escritor espanhol (1948-), in “Paris Nunca se Acaba”(2003), Ed. Teorema, 2005

(“Paris nunca se acaba” é uma revisão irónica dos tempos de aprendizagem literária do narrador na Paris dos anos setenta, e é também o título do último capítulo de "Paris é uma festa", romance póstumo de Ernest Hemingway, publicado tem 1964.)

ERNEST HEMINGWAY, escritor norte-americano (1899-1961) - Prémio Nobel de Literatura, 1954
JOHN ASHBERY, poeta norte-americano (1927-2017)
MARCEL PROUST, escritor francês (1871-1922)
HORACIO QUIROGA, escritor /contista uruguaio (1978-1937)
RAINER MARIA RILKE, poeta e romancista austríaco (1875-1926) 
JULES RENARD, escritor francês (1864-1910)


Paris? 
Gosto tanto de Paris.
A melhor cidade quando se está apaixonado, a pior quando não se está.”

PATRÍCIA REIS, jornalista e escritora portuguesa (1970 -), in
Chave de entendimento para uma sinfonia perdida”, Ed. Expresso, 2018 


(fotos PIXABAY)

15 julho, 2024

Pétala nº 3826

"as palavras são armas, como metralhadoras"
(Sándor Márai, in  “Libertação”)


"(Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós.)”
JOSÉ LUÍS PEIXOTO, escritor português (1974-), in “Em teu ventre”, Ed. Quetzal, 2015

“Se tivesse de dizer qual a maior invenção humana, diria: a palavra. É uma ferramenta fundamental na construção da nossa humanidade. É um motor de busca, um telescópio, um radar, um sensor para a grande pergunta que somos. E é a mediação para o encontro fundamental connosco mesmos, com o outro e com o Todo Outro que é Deus.”
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA , cardeal, teólogo e poeta português (1965-) em entrevista Christiana Martins, publicada na revista "E", do jornal Expresso de 22 Abril Dezembro 2023

“… para as coisas mais importantes da vida as palavras são muito poucas. O que é que podemos dizer sobre Deus? Nada. Eu, pelo menos, não consigo. O que é que podemos dizer sobre o amor? Quase nada. Não temos palavras para isso. O que é que podemos dizer acerca da morte, para além do óbvio? Nada. Mas em literatura é possível dizer um pouco mais.
Mesmo que não se use a palavra Deus, pode-se sentir o toque do que podemos chamar Deus. Pode-se descrever uma relação amorosa de maneira verdadeira. A literatura serve para dizer o que não se consegue dizer de outra maneira.”
JON FOSSE, romancista, dramaturgo, poeta norueguês (1959-), em entrevista a José Riço Direitinho, publicada na revista “Ípsilon” do jornal Público de 22 Março 2024.

"A vida é assim, está cheia de palavras que não valem a pena, ou que valeram e já não valem, cada uma que ainda formos dizendo tirará o lugar a outra mais merecedora, que o seria não tanto por si mesma, mas pelas consequências de tê-la dito."
JOSÉ SARAMAGO, escritor português (1922-2010)
Prémio Nobel de Literatura, 1998



Obras de MANUEL CARGALEIRO, ceramista e pintor português (1927-2024)


08 julho, 2024

Pétala nº 3825

"Walter Benjamin disse que um anjo nos recorda tudo o que esquecemos."
(Enrique Vila-Matas, in "Paris Nunca se Acaba")


“Não é por envelhecermos que esquecemos.”

“Uma lembrança nunca morre, apenas adormece.”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "A breve vida das flores", Ed. Presença, 2022


"A memória é voluntária e o esquecimento também.”

"A minha maneira de lidar com a memória é confiar-lhe unicamente aquilo que ela depois tem orgulho em recordar.”
 
“Dizem que, à medida que envelhecemos, nos lembramos melhor dos primeiros anos. Eis uma das muitas e grandes ciladas que nos aguardam: a vingança senil.” 

JULIAN BARNES, escritor inglês (1946-), in “Amor & Cª”, Ed. Quetzal, 2023 


“… os velhos, como tirando isso não têm mais nada para fazer, contam o passado como ninguém. Não vale a pena procurar nos livros ou nos filmes: como ninguém.”

“… quando um velho morre é uma biblioteca que arde…”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "os esquecidos de domingo", Ed. Presença, 2023


(Fotos: PORTUGAL/Cascais - São Pedro do Estoril, 2024)

01 julho, 2024

Pétala nº 3824

“Quando começo a escrever nunca sei nada do que me vai chegar. 
É deixar-me ir até onde a história me levar.”
(Jon Fosse, in Ípsilon, 22 Março 2024)
 

"De que passado parecem fugir eles? Inseparáveis desde o dia em que se conheceram, quando Asle era tocador de violino e a sua música era como o canto do pai de Alida, sabem que só se têm um ao outro..."

“Para onde vamos, diz Alida 
Ora, quem sabe, diz Asle 
Vamos até onde chegarmos, diz ela 
Vamos para onde nos levar o caminho, diz ele”

"Temos de partir em breve, diz ele
Mas para onde, diz ela
Para Bjørgvin, diz ele
Mas como, diz ela
Navegamos, diz ele
Então precisamos de um barco, diz ela
Eu arranjei um barco, diz Asle
Vamos descansar um pouco primeiro, diz ela
Então só um pouquinho, diz ele"

“A vida começa agora, diz ela 
Agora vamos a navegar no mar da vida, diz ele 
Acho que não consigo adormecer, diz ela 
Mas podes ficar aí deitada a descansar, diz ele 
É bom estar aqui deitada, diz ela
É bom que te sintas bem, diz ele 
Sim, nós estamos bem, diz ela e escuta o vaivém do mar e a Lua brilha e a noite é como um dia estranho e o barco desliza em frente, em direcção ao Sul, ao longo da costa"

"Tudo é muito mais agradável a dois, diz ela"

JON FOSSE, romancista, dramaturgo, poeta norueguês  (1959-), in “Trilogia” (2014), Cavalo de Ferro Ed., 2021
Prémio Nobel de Literatura, 2023

(Diálogos encontradas nas 204 páginas do livro, aqui alinhados a meu gosto.)


"Trilogia é uma parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e a redenção."
Três histórias - Vigília (2007), Os Sonhos de Olav (2012) e Fadiga (2014) - que se fundem numa única história misteriosa, comovente, fascinante, de leitura compulsiva.
A escrita sem pontuação de Jon Fosse, primeiro estranha-se, depois entranha-se. (Aconteceu-me o mesmo com a escrita de José Saramago. Comecei a ler "Memorial do Convento", estranhei, coloquei de lado... e por lá ficou anos a fio. Curiosa e furiosa comigo própria, um dia voltei a Saramago... e só parei na última página do último romance publicado pelo autor)

É belíssimo este romance. Uma pétala!
Eu, já decidi: vou ler tudo, tudo, o que  Jon Fosse já publicou e o que vier a publicar. 

(Foto net: fiordes da Noruega)