01 julho, 2025

Pétala nº 3863

13º Aniversário do "Pétalas de Sabedoria"
Da mania das frases floresceu um jardim de pétalas.

Esta é a última Pétala? Talvez!


ORAÇÃO PELOS AMIGOS

"Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste. Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê. Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir. Que sabem tudo de nós, perguntando pouco. Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes. Obrigado, Senhor, por essas e esses, sem os quais, caminhar pela vida não seria o mesmo. Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto. Que nos incitam à coragem só com a sua presença. Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina. Que nos dão a ver um outro lado das coisas, um lado fantástico, diga-se.
Obrigado pelos amigos incondicionais. Que discordam de nós permanecendo connosco. Que esperam o tempo que for preciso. Que perdoam antes das desculpas. Essas e esses são os irmãos que escolhemos. Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria. Os que trazem, até nós, o imprevisível do teu coração, Senhor."

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal, teólogo e poeta português (1965-)


CONFIDENCIAL 

Não me perguntes, porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitado.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que em mim não possas entender.

MIGUEL TORGA, poeta português (1907-95), in "Poesia completa (versos do poema "Ave da Esperança")",
 Ed. Dom Quixote, 2000


“Quem deixa de ser amigo nunca o foi.
E quanto mais o meu coração pensa nisso, mais magoado fica.”

“… beber champanhe, mas com moderação. Só para que a cabeça lhe ande um pouco à roda, mas não demasiado. Quando anda demasiado à roda, faz transbordar o desgosto.”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023


Um brinde à Vida, à Amizade, à Literatura!

Queridas amigas e queridos amigos, publico hoje frases há muito guardadas para quando este momento de celebração e despedida chegasse. Poderiam ser outras de entre as muitas, muitíssimas, que aguardam publicação, mas foram estas as escolhidas.
Como não me imagino a destruir frases que me tocaram, e guardo cuidadosamente, nem a ignorar as que for encontrando em novas leituras, não estranhem se me virem por aqui a manter viçoso, colorido e perfumado este «jardim». Desta forma, continuarei a deixar um rastro de cor neste mundo cada vez mais enevoado.
De saúde estou bem, graças a Deus. Apenas algum cansaço, desconforto, que me obriga a parar e a encher os meus dias não de frases, mas de Vida.
Não duvidem, serei para sempre grata pela vossa amizade, pelas pétalas, pelas visitas, pelos comentários, pelos beijos e abraços. Que consolo!
Obrigada por tudo. Obrigada e outra vez obrigada! 
Beijos e abraços. 🌹


(fotos: PIXABAY)

Até sempre!

30 junho, 2025

Pétala nº 3862


"O mar é o céu sentado no chão."
"O mar é água que estremece... É água que inspira e expira."
VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

"O que deslumbra no mar é tudo o que o mar não mostra, esse além para onde se somem os navios em viagem. Não é o sossego rasante que se espraia sobre as águas nem o cântico das ondas. Isso é apenas beleza...”
JOÃO PINTO COELHO, arquitecto, professor e escritor português (1967-), in “Mãe, Doce Mar”, Ed. Leya, 2022


"Caminhamos como quem entra na água para diluir a dor e submergir nela. Deixarmos a tristeza vogar ao ar livre: abandonarmo-nos."

"Este tipo de caminhadas (…), que vão do azul da manhã ao laranja da tarde, sem nada de vivo ou cortante, não apazigua a tristeza. Não constitui o elixir tonificante, a fonte de energia. Não a anulam: transformam-na. (…)"

“Quando tudo estiver destruído, quando a civilização tiver desaparecido após um grande cataclismo, talvez não reste mais do que caminhar sobre ruínas fumegantes de uma humanidade submersa.”

O fim do mundo não é quando tudo para, mas quando tudo continua, interminavelmente. Não há outra coisa a fazer senão pôr um pé diante do outro…

FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), in "CAMINHAR uma filosofia" (2009), Ed. Antígona, 2024


“Os limites do meu conhecimento são os limites do meu mundo.”
O meu mundo acaba onde acaba a minha linguagem. Não podes pensar aquilo que não dizes, e não podes dizer aquilo que não pensas.”
LUDWIG WITTGENSTEIN, filósofo austríaco, naturalizado britânico (1889-1951) 
(citado por Pedro Abrunhosa)

“Nós aprendemos a construir a linguagem por razões puramente espirituais. Porque precisamos de comunicar uns com os outros”.
PEDRO ABRULHOSA, cantor e compositor português (1960-), in entrevista a Lia Pereira, revista “E”, jornal Expresso, 17 Maio 2024

"Sabemos que a extrema dor física afugenta a linguagem; é desencorajante saber que a dor mental faz o mesmo."
JULIAN BARNES, escritor inglês (1946-), in “Nada a temer”, Ed. Quetzal, 2020


Fotos de Teresa Dias
1 -  PORTUGAL/Cascais, 2025 
2 -  ESPANHA/Isla Canela, 2024
2 - PORTUGAL/Faro - Ria Formosa, 2025

Volto amanhã.


23 junho, 2025

Pétala nº 3861

"Dediquem-se aos poemas! Encham a vossa vida de poesia!"
(Paul Murray, in "A Picada de Abelha)


VERÃO - Entendemos bem aquele verso de Rilke que diz «Espero pelo verão como quem espera por uma outra vida.» Na verdade, não é por uma vida estranha e fantasiosa que esperamos, mas por uma vida que realmente nos pertença.”

“A vida é o que permanece, apesar de tudo: a vida embaciada, minúscula, imprecisa e preciosa como nenhuma outra coisa. A sabedoria é a vida mesma: o real de viver, a existência não como trégua, mas como pacto, conhecido e aceite na sua fascinante e dolorosa totalidade.”

“Nós somos imprevisíveis. Às vezes olhamo-nos ao espelho e, mesmo sem dizer, dizemos aquele verso de Rimbaud, «Eu sou um outro.». «Quem é este que me olha no espelho?» Olhamos para nós e há uma estranheza de ser que nunca se cura: «Mas sou assim? Que caminho é este? Que tempos são estes que me habitam?» Nós somos também um segredo para nós mesmos e temos de aceitar-nos assim. Somos um enigma, uma pergunta, e temos de aceitar isso. Caso contrário, não teremos paz.”

“A poesia traz à vida alguma coisa de que ela precisa. (...)  A poesia dá-nos o sentido profundo da nossa fragilidade e da nossa vulnerabilidade. E da aceitação disso." 

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal, teólogo e poeta português (1965-) in “Uma beleza que nos pertence”, Ed. Quetzal, 2019
RAINER MARIA RILKE, poeta e romancista austríaco (1875-1926) 
ARTHUR RIMBAUD, poeta francês (1854-91)


SOL DE VERÃO

Filha, agora é tempo de sol!
Tempo de dias ensolarados,
tempo de noites estreladas,
tempo de noites enluaradas!
Sol ao amanhecer,
sol ao meio-dia,
sol na tarde quente!
Sol, muito sol, filha!
(…)
Há tanta gente alegre, filha!
Sorrisos voam
como pássaros,
de um lugar para outro!
Voltou o sol de verão, filha!
Veio com a luz da esperança.

 PEDRO LUSO DE CARVALHO, ( https://pedrolusodcarvalho.blogspot.com/),
versos do poema "Sol de Verão", 16 janeiro 2020

(fotos: PIXABAY)



16 junho, 2025

Pétala nº 3860

"(…) quando escrevo, faço-o por amor à palavra (…)”

“Escrevo, quase inteiramente, a partir das entranhas do desgosto.”

“A alma de um homem, ou a falta dela, tornar-se-á evidente pelo que ele consegue cinzelar numa folha branca.”

“(…) não há nada mais mágico e belo do que as frases a ganhar forma no papel.”

CHARLES BUKOWSKI, poeta e romancista norte-americano (1920-94), in "Sobre a escrita", Ed. Alfaguara, 2025


“Quando se desaloja uma frase prisioneira há muito tempo, ela aproveita a liberdade.”

“Os romances servem para se escrever o que se é incapaz de fazer na vida real”

“Há livros que falhamos, como certos encontros: passamos ao lado de histórias e de pessoas que poderiam ter mudado tudo. Por causa de um mal-entendido, de uma capa, de um currículo sofrível, de um a priori. Felizmente, a vida por vezes insiste.”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023


"É inevitável. (...) a dado momento - tem logicamente de acontecer - um escritor terá um último leitor."

"Vivemos, morremos, somos lembrados, somos esquecidos. Não de repente, mas por etapas." 

"Para os escritores, o processo de ser esquecido  não é claro. «É melhor para um escritor morrer antes de ser esquecido, ou ser esquecido antes de morrer?»"

JULIAN BARNES, escritor inglês (1946-), in “Nada a temer”, Ed. Quetzal, 2020
“Manhã após manhã durante 50 anos, enfrentei a próxima página indefeso e mal preparado. Escrever para mim é um feito de Auto-preservação. Se não o fizesse, morreria. Então fi-lo. A perseverança, e não o talento, salvou-me a vida. Tive também a sorte de não considerar a felicidade importante e de não ter compaixão por mim próprio.”

PHILIP ROTH, escritor americano (1933- 2018)

(fotos PIXABAY)

09 junho, 2025

Pétala nº 3859

"Amigos
Que desgraça nascer em Portugal"
(António Nobre, citado em "Viagem de Inverno")


Férias da Pátria (2007) - excerto
“No país que me coube em sorte, os velhos são tristes, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os serviços públicos funcionam mal, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as escolas estão degradadas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os transportes são maus, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as ruas têm buracos, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os canais de televisão são um estendal de imbecilidades, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; os políticos são medíocres, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as praias estão poluídas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as casas estão arruinadas, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; nas bibliotecas públicas os livros caem de podres, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria; as câmaras são focos de corrução, mas não me importo porque pertencem à minha Pátria. (…)
Chegara o momento, concluí, para tirar férias da Pátria.”

Inquietações modernas (2018) - excerto
"Muitos dos pais abastados argumentam que os jovens têm hoje facilidades únicas (...) mas quando começarem à procura de emprego, outra música cantará. Os fundos que chegaram ao nosso país após a adesão à União Europeia foram, sabemo-lo, mal utilizados. Os nossos descendentes têm razão se, um dia, nos pedirem contas pelo que andámos a fazer nas décadas de 1980 e 1990."

MARIA FILOMENA MÓNICA, filósofa, socióloga, docente, investigadora, escritora portuguesa (1943-), in “Viagem de Inverno” (compilação de artigos publicados em diversos jornais e revistas), Ed. Relógios de Água, 2024


Passo a noite a sonhar o amanhecer.
Sou ave da esperança.
(...)

MIGUEL TORGA, poeta português (1907-95), in "Poesia completa (versos do poema "Ave da Esperança")",
 Ed. Dom Quixote, 2000

(fotos: PIXABAY)
Boa semana!

02 junho, 2025

Pétala nº 3858

"Ser Cogumelo"


"Se eu não fosse um ser humano, seria um cogumelo. Um cogumelo indiferente, insensível, com uma pele fria e escorregadia mas, ao mesmo tempo, dura e delicada. Haveria de crescer sombria e sinistramente em árvores derrubadas, estaria sempre em silêncio e, com os meus dedos de cogumelo estendido, sugaria delas as réstias de Sol. Haveria de crescer naquilo que morrera. Haveria de penetrar essa manta morta até alcançar a terra pura e os meus dedos de cogumelo aí se deteriam. (…) 

Seria efémera, mas, como ser humano, também sou efémera. Não estaria interessada no Sol, não o seguiria com o olhar, jamais voltaria a esperar que nascesse. Ansiaria apenas pela humidade, exporia o meu corpo às neblinas e às chuvas, cobrir-me-ia com gotas de ar húmido. Não haveria de distinguir a noite do dia, pois, para quê? (…)
Haveria de perdurar deliberadamente horas a fio, sem movimento, sem crescer, nem envelhecer, até alcançar a firme convicção de que tinha poder não só sobre as pessoas, mas também sobre o tempo. Cresceria apenas nos momentos mais importantes do dia e da noite – ao alvorecer e ao entardecer, quando tudo o mais está ocupado em despertar ou em adormecer.

Seria generosa com todos os vermes; ofereceria o meu corpo aos caracóis e às larvas dos insectos. Nunca sentiria medo e não recearia a morte. O que é a morte, afinal, pensaria eu – a única coisa que me podem fazer é arrancar do solo, cortar, fritar e comer.”

OLGA TOKARCZUK, psicóloga e escritora polaca (1962-), in “Casa de Dia, Casa de Noite”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022
Prémio Nobel de Literatura, 2018

(Fotos: PIXABAY)

12 maio, 2025

Pétala nº 3857


"Gostava de começar com uma citação de René Daumal. “Estou consciente de que não posso pensar. Sou um poeta.” Estas palavras têm alguma ressonância em si?
Ser poeta, como em qualquer vocação, é algo para o qual algumas pessoas parecem ter nascido. É uma missão ou é entendida como uma missão. Para mim, que sempre me relacionei com a poesia, lendo e escrevendo desde criança, sempre foi uma linguagem mística, secreta ou mesmo sagrada. É a este nível que penso na poesia. Afirmar-se poeta é aceitar a responsabilidade de produzir um trabalho inspiracional para os outros; um trabalho que lhes dá as palavras que eles não encontraram por si próprios para as emoções e os sentimentos que têm. Pode-se pensar que é simples ser poeta, mas para mim é um trabalho maior. Nem sempre é lucrativo, e às vezes é difícil de entender, mas é um trabalho sério que tira muito de nós, nos faz tremer, e que exige a nossa consciência. Não se pode dizer “vou deixar de ser poeta”. É-se poeta. É-se guardião do jardim da linguagem sagrada e séria.

"Usa a palavra sagrada. Reza desde criança, e já escreveu que ficou muito feliz quando percebeu que podia compor as suas próprias orações. Pode-se dizer que para si a poesia é uma questão menos racional e mais espiritual?
A arte é sempre uma forma de rezar; ou é uma outra forma de nos expressarmos. Podemos expressar tantas coisas quando rezamos. Não penso que rezar seja uma forma de pedir coisas. Para mim a oração é um espaço de gratidão, porque a única coisa que podemos pedir é a força para enfrentar o que temos de enfrentar. O resto é gratidão. (…)"

PATTI SMITH, cantora, compositora, poeta, pintora, escritora, fotógrafa americana (1946-), excerto da entrevista a Cristina Margato, revista “E”, jornal Expresso de 21 Março 2024

RENÉ DAUMAL, escritor, crítico e poeta francês (1908-1944)


SOMOS TODOS POETAS

Por que não queres os versos que te nascem
Como rebentos pelo tronco acima?
Por que não queres a inesperada rima
Dos sentimentos?
Olha que a vida tem desses momentos
Que se articulam numa cadência
Tão imprevista,
Que é uma conquista
Da consciência
Não ser um túnel de negação…
Brotam as folhas que são precisas
E outras que o não são.

MIGUEL TORGA, poeta português (1907-95), in "Poesia completa", Ed. Dom Quixote, 2000


Pequena pausa.
Beijos e abraços.

(Fotos: PIXABAY)


05 maio, 2025

Pétala nº 3856


“Os filhos nunca deixam de ser pequenos nas almas das mães. Ocupam o espaço todo, mas continuam pequenos.”
VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

"As mães adivinham sempre, não sei por que miraculosa intuição, o mistério que no mistério das suas entranhas foi gerado, e nunca se enganam!"
FLORBELA ESPANCA, poetisa portuguesa (1894-1930), in “As máscaras do destino”, Livraria Bertrand, 1981


"... haverá alguma vez um momento em que não se espera que seja a mãe a tomar a iniciativa?"

“Achas que alguma vez sobrevivemos à nossa infância?”

“A mãe também precisa de alguma coisinha. Não se pode depender dela, não em todos os minutos de todos os dias.”

MICHAEL CUNNINGHAM, escritor norte-americano (1952-), in “dia”, Ed. Gradiva, 2024


“ (Todas as pessoas têm direito a descanso, menos as mães. Para cada tarefa, profissão ou encargo há direito a uma folga, menos para as mães. Se alguma mãe demonstrar a mínima fadiga de ser mãe, haverá logo uma besta, ignorante de limpar baba e de parir, que se oferecerá para a pôr em causa. Não é mãe, não sabe ser mãe, não foi feita para ser mãe, dirá. Mas, se todas as pessoas têm direito a descanso, será que as mães não são pessoas? A culpa é nossa. Sim, a culpa é das mães. Deixámos que fossem os filhos a definir-nos.)”
JOSÉ LUÍS PEIXOTO, escritor português (1974-), in “Em teu ventre”, Ed. Quetzal, 2015

(Foto: PIXABAY)

28 abril, 2025

Pétala nº 3855

"Bastam-me apenas as palavras
para viver o amanhã"
(Albino Santos, versos do poema "Bastam-me as palavras")


A COMPLEXIDADE DAS COISAS BANAIS (excerto)

"O tempo é infinito... mas tão efémero. De repente, ele se esvai no interior de nós e oculta o sol, que se extingue nas sombras impenetráveis do destino. Fecham-se as janelas da alma, expulsam-se os sorrisos, até que o murmúrio da noite se sobreponha a tudo cobrindo-me com o seu lençol de silêncio. Estou só, numa árida deambulação sem caminho, procurando as palavras quase sem ardor nem gosto. Na complexidade das coisas banais, talvez uma luz imprevista venha reacender a paisagem!"


O SILÊNCIO É NEGRO

Apetece-me o silêncio!
O silêncio nocturno das cidades,
entre a penumbra e a alba
onde crepitam todas as paixões.
Nos meus versos insaciados
escondem-se lúgubres noites
entre sonhos imperfeitos e nostálgicos
amanheceres.

Eu sei que o silêncio é negro
como é negro sentir
que o olhar que queremos não nos afaga
e a boca que desejamos não nos procura.
Mas a minha boca ainda respira em versos
e sente o sabor do beijo
com que as pétalas amam o coração das rosas!

ALBINO SANTOShttps://as-polyedro.blogspot.com/, in "A COMPLEXIDADE DAS COISAS BANAIS", Seda Publicações, 2025


Obrigada, meu amigo!


(Foto net. Agradeço a quem me enviou.)

21 abril, 2025

Pétala nº 3854

"Por onde se empurra este país para levá-lo para a frente?"
(MAFALDA, personagem do cartunista argentino Quino)


DESCOBRIMENTO
Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma
Manhã


OS ERROS
A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida - o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado, e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?


POEMA
Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga

Poemas de SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, poetisa portuguesa(1918-2004),
 in "Obra poética II", Círculo de Leitores, 1992
(Fotos: PIXABAY)

14 abril, 2025

Pétala nº 3853

Dedico-lhe o Meu Silêncio
(MARIO VARGAS LLOSA, 1936-2025)


 "A VALSA PERUANA É UMA INSTIUIÇÃO SOCIAL..." 

"... uma instituição social que fomenta a amizade e o desejo que favorece o amor."

"... somos um país onde a amizade é frequente e indispensável, para rir, festejar os aniversários e nem que seja para chorarmos os lutos juntos. Que é o companheirismo senão isso? Outra maneira de nos relacionarmos e estender pontes de parentesco com os outros. E a valsa peruana, quando não exalta a saudade pelo passado, favorece a amizade, o companheirismo e, é claro, o amor.

“O ser humano não era um átomo, dizia-se, não era feito para navegar pela vida sozinho, precisava de fazer parte de algo maior, de uma comunidade, de uma pátria que lhe desse sentido e o protegesse. Sem tribo o que seria o homem?

"A valsa alegra todos os momentos da vida e eu oiço-as assim: ao acordar, entre bocejos; ao meio-dia, a almoçar; à tarde e à noite, a trabalhar, é claro, porque a valsa também inspira e empurra para a ação."
“- Cecília… Há tanto tempo que não te via.
- Nem eu a ti, Toño. Já estava a pensar se nos estávamos a afastar. A deixar de ser amigos, quero dizer, e tu, vê só, nem me lembrava de que o éramos.
- Estive muito ocupado a refazer as minhas pobres finanças e a escrever artigos de manhã e à tarde sobre música crioula. Mas, quanto a amizade, tu és a primeira das minhas amigas. E sê-lo-ás sempre, não te esqueças.
- Assim o espero, Toño. Namorados e amantes vão e vêm. Mas os amigos ficam para sempre e são sempre os mesmos."

MARIO VARGAS LLOSA, escritor peruano (1936-2025), in “Dedico-lhe o meu silêncio”, Ed. Quetzal, 2024
Prémio Nobel de Literatura, 2010

(Frases encontradas nas 252 páginas do livro, aqui alinhadas a meu gosto.)


PERU -"anos 90 (...) Toño Azpicueta, é especialista em música crioula e descobre um guitarrista (…) cujo talento o faz reviver o amor pelas valsas, marineras, polcas e buainos, géneros enraizados na música popular do país. (…) É então que tem a ideia de escrever um livro para contar a história da música crioula… um elemento capaz de provocar uma revolução, quebrando preconceitos e barreira raciais para unir todo o país.”

"Se este romance é o canto do cisne de Vargas Llosa, é difícil imaginar um que fosse melhor. 
O sonho utópico da reconciliação através da música."
(The Times Literary Supplement)

(fotos 1 e 2 PIXABAY)

07 abril, 2025

Pétala nº 3852

A aparência não é nada. É no fundo do coração que está a chaga.”
(EURÍPEDEScitado por Valérie Perrin, in "TRÊS")


“… lamentável declínio das boas maneiras nos dias de hoje.”

“Acho a falta de pontualidade de uma extrema má-criação; é uma grande falta de respeito, pois sugere, sem margem para dúvidas, que a pessoa se considera, a si própria e ao seu tempo, mais valiosa do que os outros.”

“As minhas unhas estão sempre limpas – unhas limpas, tal como sapatos limpos, são fundamentais para o autorrespeito. Embora não seja elegante nem virada para a moda, estou sempre asseada; assim, pelo menos, posso estar de cabeça erguida quando assumo o meu lugar no mundo, por mais insignificante que seja.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


“Qual é a diferença entre felicidade e alegria? Esperança e desejo? Tristeza e Melancolia? Amor e hábito? Medo e desespero?”

Se eu fosse eu
Nem as páginas por escrever
Nem encontrar as palavras para o dizer
Me fariam medo…
Mas largo-me a mão
Afasto-me de mim
Dou comigo de manhã
No mau caminho
Quando nos perdemos
Como ultrapassar
Esse esforço inumano
Que nos conduz a nós
Se eu fosse eu
Nem a mulher que sou
Nem sequer o homem que dorme na minha cama
Me fariam medo
Se eu fosse eu
Nenhum peso que tenho no coração
O que faço de pior e de melhor
Me fariam medo…

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(Fotos: PIXABAY)


31 março, 2025

Pétala nº 3851


“Não queria estar na cama, preferia o sofá. Voltava-se sempre para a parede e sofria em solidão, incapaz de evitar os sofrimentos que não tinham cura e, igualmente em solidão, cogitava no mesmo problema, também sem solução. Que vem a ser isto? Será mesmo a morte?” 

"Em imaginação revivia, um a um, quadros da sua vida passada. Quanto mais para trás ficavam as memórias, mais vida havia nelas. Mais bondade, mais vida em tudo – a qualidade de vida e a própria vida entrelaçavam-se. «Como os sofrimentos pioram cada vez mais, piora cada vez mais a vida», pensava. Um ponto luminoso, lá muito para trás, no início da existência; depois, cada vez mais escuro, mais negro, ganhando velocidade. «Inversamente proporcional ao quadrado da distância até à morte», ocorreu a Ivan Iliitch. Guardara na alma a imagem de uma pedra em queda livre, com aceleração constante. «Estou a cair…» (…) «Se ao menos eu percebesse para quê tudo isso…»

«Não há explicação! Sofrimento, morte… Para quê?» 

«Teria andado, realmente, durante toda a vida, a vida consciente, por maus caminhos?» 

«Ainda estou a tempo de fazer o certo. Que é o certo?» 

LEV TOLSTÓI, escritor russo (1828-1910), in “A Morte de Ivan Iliitch” (1886), Ed. Presença, 2024


“À medida que a morte se aproxima, Ivan Iliitchi passa revista à sua vida, que em breve terminará. Nunca o estimado juiz havia dedicado um minuto do seu tempo a reflectir sobre a sua inevitável finitude.”

"Todos havemos de morrer. Não custa assim tanto."
(Lev Tolstói)


É comovente e reflexivo este enorme romance, de apenas 109 páginas, publicado em 1886.
E são tantas, mas tantas, as questões sobre o envelhecimento, o sofrimento, a morte, que continuam sem resposta
Uma pétala!

24 março, 2025

Pétala nº 3850


“ … Estou de muito mau humor. Preciso de desabafar.
- Calha bem. Eu também estou de mau humor. Mas tu, porquê?
- Porque estou zangado comigo. Porque é que aproveito todas as ocasiões para me sentir culpado?
- Isso não é grave.
- Sentirmo-nos culpados ou não. Penso que tudo se resume a isto. A vida é uma luta de todos contra todos. É sabido. (…) Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá quem confessar o seu erro.(...)
- Quem se desculpa declara-se culpado. E se tu te declaras culpado encorajas o outro a injuriar-te, a denunciar-te publicamente, até à tua morte. São essas as consequências fatais da primeira desculpa.
-É verdade. Não é preciso desculparmo-nos. E, todavia, eu preferiria um mundo onde todas as pessoas pedissem desculpa, sem exceção, inutilmente, exageradamente, por nada, onde se atravancassem de desculpas…”

MILAN KUNDERA, escritor checo (1929-), in “A festa da insignificância”, Ed. D. Quixote, 2014


Os amigos estão sempre a dizer-nos para termos cuidado. Para estarmos de sobreaviso. Mas, possivelmente, quanto mais cuidado temos, mais expostos ficamos. Talvez tenhamos de nos entregar nas mãos do nosso anjo da guarda. Sou até capaz de começar a rezar… Não sei ao certo a quem. Mas talvez me tire algum peso dos ombros, o que te parece?
Acho que deves seguir o teu coração.”

CORMAC McCARTHY, escritor americano (1933- 2023), in “O Passageiro”, Ed. Relógio d’Água, 2022)


"- Como vai isso?
- Vai indo. Gostaria que fosse amanhã… O presente atrapalha-me… Não sei o que fazer dele."

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(Fotos: BRASIL/Natal - Touros, 2024)


"A Primavera é um rio a correr para um lugar longínquo onde já é Outono."

Obrigada Luís, por mais um mimo primaveril.
 Que a Primavera lhe traga dias de felicidade e criatividade. 


17 março, 2025

Pétala nº 3849

"Todos os homens são iguais.
Mas alguns são poetas."


Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um xadrez silencioso.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

JORGE LUIS BORGES, escritor argentino (1899-1986)


Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

DANIEL FARIA, poeta português (1971-1999)


Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis.

BERTOLT BRECHT, dramaturgo alemão (1898-1956)

(Fotos: PIXABAY)