"Todo o tempo é de poesia.
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia."
(António Gedeão)
“Quando o poeta escreve, a sua deriva deverá ser a dos sentimentos em geral. E tem de se perceber.
É assim a poesia.
Um livro de poemas não é algo que se devore instantaneamente. O leitor recebe a poesia preparado para a receber. Não porque um poeta seja uma pessoa diferente das outras. A poesia é que é uma arte distinta, é uma arte de palavras e nada tão difícil de saborear como uma palavra nascida e escrita que pretende dizer sobre a alma, sobre a vida, do mal e do bem, em suma, sobre a Humanidade. (…)
O que os poetas escrevem não é para nós imaginarmos o que é que eles querem dizer. O que os poetas escrevem é para nós, leitores, interpretarmos conforme os nossos desígnios e o que mais nos convém.”
CRISTINA CARVALHO, escritora portuguesa (1949-), in “Movimento perpétuo – António Gedeão”, artigo de opinião publicado no jornal Público, 31 Março 2023
Todo o tempo é de poesia.
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.
Todo o tempo é de poesia.
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação do caos
à confusão da harmonia.
ANTÓNIO GEDEÃO (pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), poeta português ( 1906-97), in "Poesias Completas", Ed. Sá da Costa, 1982
(fotos net)