“Ler, uma actividade em extinção, por muito que as livrarias estejam cheias de feéricas capas, por muito que se diga a gigantesca asneira de que ler num ecrã de telemóvel é o mesmo que num livro (experimentem a Montanha Mágica ou a Guerra e Paz…), ou que a “geração mais preparada” pode fazer um curso superior sem ler um livro (bem, dois, três e já é muito), e por aí adiante.
Falar e escrever bem também estão em extinção, com a redução do vocabulário circulante a puco mais do que os antigos 140 caracteres do Twitter, agora 280 no X, o que vai dar ao mesmo - a enorme dificuldade de expressão que se vê todos os dias e por todo o lado.
Qual é o problema? É que quem não lê, não fala e não escreve decentemente, é menos livre, mais facilmente manipulado, menos eficaz em coisa alguma importante, mais fácil de ser mandado e de não mandar nem em si próprio. Ou seja, repito, menos livre. (…)
Na verdade, quem defende esta nova forma de ignorância agressiva e de deslumbramento tecnológico não são os novos ignorantes, mas os antigos ignorantes, a quem as redes sociais dão uma ilusão de igualdade e presunção de saber que transporta todos os preconceitos da ignorância com o ressentimento em relação ao saber e ao esforço de saber. São a forma actual do anti-intelectualismo trasvestido de modernidade, cujos estragos na educação, no jornalismo, na sociedade, na cultura e na política são devastadores
(…)
É que ler é entrar em todos os mundos, alegres e sinistros, apaziguadores e violentos, nossos e alheios, e que nunca acabam.”
JOSÉ PACHECO PEREIRA, licenciado em Filosofia, historiador, professor universitário, cronista e político português (1949-), in crónica “Porque é que ler conta e muito, para a liberdade”, jornal Público, 9 Março 2024
(fotos Pixabay)