28 abril, 2025

Pétala nº 3855

"Bastam-me apenas as palavras
para viver o amanhã"
(Albino Santos, versos do poema "Bastam-me as palavras")


A COMPLEXIDADE DAS COISAS BANAIS (excerto)

"O tempo é infinito... mas tão efémero. De repente, ele se esvai no interior de nós e oculta o sol, que se extingue nas sombras impenetráveis do destino. Fecham-se as janelas da alma, expulsam-se os sorrisos, até que o murmúrio da noite se sobreponha a tudo cobrindo-me com o seu lençol de silêncio. Estou só, numa árida deambulação sem caminho, procurando as palavras quase sem ardor nem gosto. Na complexidade das coisas banais, talvez uma luz imprevista venha reacender a paisagem!"


O SILÊNCIO É NEGRO

Apetece-me o silêncio!
O silêncio nocturno das cidades,
entre a penumbra e a alba
onde crepitam todas as paixões.
Nos meus versos insaciados
escondem-se lúgubres noites
entre sonhos imperfeitos e nostálgicos
amanheceres.

Eu sei que o silêncio é negro
como é negro sentir
que o olhar que queremos não nos afaga
e a boca que desejamos não nos procura.
Mas a minha boca ainda respira em versos
e sente o sabor do beijo
com que as pétalas amam o coração das rosas!

ALBINO SANTOShttps://as-polyedro.blogspot.com/, in "A COMPLEXIDADE DAS COISAS BANAIS", Seda Publicações, 2025


Obrigada, meu amigo!


(Foto net. Agradeço a quem me enviou.)

21 abril, 2025

Pétala nº 3854

"Por onde se empurra este país para levá-lo para a frente?"
(MAFALDA, personagem do cartunista argentino Quino)


DESCOBRIMENTO
Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma
Manhã


OS ERROS
A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida - o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado, e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?


POEMA
Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga

Poemas de SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, poetisa portuguesa(1918-2004),
 in "Obra poética II", Círculo de Leitores, 1992
(Fotos: PIXABAY)

14 abril, 2025

Pétala nº 3853

Dedico-lhe o Meu Silêncio
(MARIO VARGAS LLOSA, 1936-2025)


 "A VALSA PERUANA É UMA INSTIUIÇÃO SOCIAL..." 

"... uma instituição social que fomenta a amizade e o desejo que favorece o amor."

"... somos um país onde a amizade é frequente e indispensável, para rir, festejar os aniversários e nem que seja para chorarmos os lutos juntos. Que é o companheirismo senão isso? Outra maneira de nos relacionarmos e estender pontes de parentesco com os outros. E a valsa peruana, quando não exalta a saudade pelo passado, favorece a amizade, o companheirismo e, é claro, o amor.

“O ser humano não era um átomo, dizia-se, não era feito para navegar pela vida sozinho, precisava de fazer parte de algo maior, de uma comunidade, de uma pátria que lhe desse sentido e o protegesse. Sem tribo o que seria o homem?

"A valsa alegra todos os momentos da vida e eu oiço-as assim: ao acordar, entre bocejos; ao meio-dia, a almoçar; à tarde e à noite, a trabalhar, é claro, porque a valsa também inspira e empurra para a ação."
“- Cecília… Há tanto tempo que não te via.
- Nem eu a ti, Toño. Já estava a pensar se nos estávamos a afastar. A deixar de ser amigos, quero dizer, e tu, vê só, nem me lembrava de que o éramos.
- Estive muito ocupado a refazer as minhas pobres finanças e a escrever artigos de manhã e à tarde sobre música crioula. Mas, quanto a amizade, tu és a primeira das minhas amigas. E sê-lo-ás sempre, não te esqueças.
- Assim o espero, Toño. Namorados e amantes vão e vêm. Mas os amigos ficam para sempre e são sempre os mesmos."

MARIO VARGAS LLOSA, escritor peruano (1936-2025), in “Dedico-lhe o meu silêncio”, Ed. Quetzal, 2024
Prémio Nobel de Literatura, 2010

(Frases encontradas nas 252 páginas do livro, aqui alinhadas a meu gosto.)


PERU -"anos 90 (...) Toño Azpicueta, é especialista em música crioula e descobre um guitarrista (…) cujo talento o faz reviver o amor pelas valsas, marineras, polcas e buainos, géneros enraizados na música popular do país. (…) É então que tem a ideia de escrever um livro para contar a história da música crioula… um elemento capaz de provocar uma revolução, quebrando preconceitos e barreira raciais para unir todo o país.”

"Se este romance é o canto do cisne de Vargas Llosa, é difícil imaginar um que fosse melhor. 
O sonho utópico da reconciliação através da música."
(The Times Literary Supplement)

(fotos 1 e 2 PIXABAY)

07 abril, 2025

Pétala nº 3852

A aparência não é nada. É no fundo do coração que está a chaga.”
(EURÍPEDEScitado por Valérie Perrin, in "TRÊS")


“… lamentável declínio das boas maneiras nos dias de hoje.”

“Acho a falta de pontualidade de uma extrema má-criação; é uma grande falta de respeito, pois sugere, sem margem para dúvidas, que a pessoa se considera, a si própria e ao seu tempo, mais valiosa do que os outros.”

“As minhas unhas estão sempre limpas – unhas limpas, tal como sapatos limpos, são fundamentais para o autorrespeito. Embora não seja elegante nem virada para a moda, estou sempre asseada; assim, pelo menos, posso estar de cabeça erguida quando assumo o meu lugar no mundo, por mais insignificante que seja.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


“Qual é a diferença entre felicidade e alegria? Esperança e desejo? Tristeza e Melancolia? Amor e hábito? Medo e desespero?”

Se eu fosse eu
Nem as páginas por escrever
Nem encontrar as palavras para o dizer
Me fariam medo…
Mas largo-me a mão
Afasto-me de mim
Dou comigo de manhã
No mau caminho
Quando nos perdemos
Como ultrapassar
Esse esforço inumano
Que nos conduz a nós
Se eu fosse eu
Nem a mulher que sou
Nem sequer o homem que dorme na minha cama
Me fariam medo
Se eu fosse eu
Nenhum peso que tenho no coração
O que faço de pior e de melhor
Me fariam medo…

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(Fotos: PIXABAY)