10 fevereiro, 2023

Pétala nº 3730

Todas as cartas de amor são 
Ridículas. 
Não seriam cartas de amor se não fossem 
Ridículas. 
(primeira estrofe de um poema de Álvaro de Campos)


"Meu Bébé pequenino:
Então o meu Bébé fez-me uma careta quando eu passei?
Então o meu Bébé, que disse que me ia escrever hontem, não me escreveu?
Então o Bébé não gosta do Nininho? (Não é por causa da careta, mas por causa de não escrever)
Olha, Nininha; e agora a sério: achei que tinhas um ar alegre hoje, que mostravas boa disposição. Também pareces ter gostado de ver o Ibis, mas isso não garanto, com medo de errar.
Ainda fazes muita troça do Nininho? (A. De C.).
Não sei se irie amanhã a Belem; o mais provável, como te disse, é que vá. Em todo o caso, já sabes: depois das 6.30 não apareço, de modo que escusas de esperar pelo Ibis para alem dessa hora.
Ouvistaste?(sic)
Muitos beijos e um abraço á roda da cintura do Bébé.
Sempre e muito teu
Fernando
6/5/1920

"Meu Bébé pequenino:
Pelo papel vês de onde te estou escrevendo. Refugiei-me aqui da chuva, e, como por isso atrazei varias cousas que tinha que fazer, não poderei ir ás 6 horas a Belem acompanhar a Nininha até Lisboa.
Estou um pouco melhor (de saúde, não de juízo), mas ainda me sinto bastante mal disposto.
Amanhã (salvo doença ou outra cousa que estorve) passo na tua rua entre as 11 e as 11.30. Se o Bébézinho quizer estar á janella, vê o Nininho passar. Se não quizer, não o vê (É author destas ultima frase o meu querido amigo Alvaro de Campos).
Que pena a fabrica em Belem não ter telephone. Se tivesse eu poderia avisar-te de que não ia, nos dias em que não pudesse ir; e excusava a Ibis do Ibis de esperar pelo Ibis.
Adeus, Bébé queridinho: muitos beijinhos do mau e sempre teu
Fernando
22/5/1920"

Duas cartas de amor escolhidas de entre a meia centena reunida neste livro, com posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, e preâmbulo de Maria da Graça Queiroz (sobrinha-neta da destinatária das cartas).
As cartas - ternurentas, comoventes, bem-humoradas, respeitosas - são de Fernando Pessoa (1888-1935) para Ophélia Queiroz (1900-91), sua única namorada conhecida.
Como foi que se conheceram? Como foi o namoro?
Ophélia desvenda tudo num emocionante testemunho:

"Como conheci o Fernando
Respondi a um anúncio do «Diário de Notícias».
Tinha 19 anos, era alegre, esperta, independente e, contra a vontade de meus Pais e família, resolvi empregar-me.
Conheci o Fernando no dia em que me apresentei ao anúncio… um senhor todo vestido de preto… com um chapéu de aba revirada e debruada, óculos e laço no pescoço. Ao andar, parecia não pisar o chão. E trazia – coisa mais natural – as calças entaladas nas polainas. Não sei porquê, aquilo deu-me uma terrível vontade de rir…
Foi esta a minha primeira imagem do Fernando.
O Fernando adorava-me, e tinha uns repentes de paixão que me assustavam, mas que ao mesmo tempo me divertiam.
Era duma delicadeza e duma ternura imensa. (...)"

Chegaram a casar? Não!
Fernando Pessoa nunca casou.
Ophélia casou com um homem do teatro, três anos após a morte de Fernando.

Um poeta solitário - apaixonado.
Estranho? Não, lindo!


6 comentários:

  1. Querida Teresa
    Álvaro de Campos aqui corrosivo :) mas ao fim e ao cabo
    também se confessa amante de cartas de amor, na sua forma
    rebelde de escrever...
    As cartas de Fernando Pessoa, ortónimo, a Ophélia mostram aquela intimidade de que padecem as missivas de amor. Sabes? Em tempos produzi uma opinião sobre a publicação dessas cartas.
    Aqui para nós, as cartas de amor só não são ridículas para quem as escreve e, obviamente, para o destinatário.
    Bom fim de semana, amiga.
    Beijinhos
    Olinda

    ResponderEliminar
  2. Hoje já não se escrevem cartas de amor ridículas. Mas tão bonitas de ler e... escrever. Escrevi muitas e recebi também muitas na minha juventude. Hoje é mais sms, WhatsApp, facebook, Instagram, entre outros meios de comunicação.
    .
    Feliz fim de semana… cumprimentos cordiais.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

    ResponderEliminar
  3. Excelente partilha, amiga Teresa.
    Assim é. As cartas de amor, têm em si um pouco de ridículo, porque são as emoções a falar, e não a razão.
    Votos de um excelente fim de semana!
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com

    ResponderEliminar
  4. Teresa Palmira Hoffbauerfevereiro 10, 2023

    Por que engonhamos tanto, quando recebemos cartas de amor?!

    O amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, sua colega de trabalho num escritório comercial em Lisboa — é um constructo.

    ResponderEliminar
  5. Pessoa tinha uma personalidade peculiar. O seu aparente isolamento do mundo e os seus comportamentos incomuns, refletem-se num perfeito jogo de espelhos al longo de toda a sua obra. A criação dos seus heterónimos são uma tentativa hábil e talentosa de, por essa forma, desconstruir a sua própria e verdadeira personalidade.
    É neste contexto que eu leio toda a sua notável obra.

    Parabéns Teresa por esta magnífica Pétala!
    Um beijinho e bom fim de semana!

    ResponderEliminar
  6. As cartas de amor nunca são ridículas!
    Adorei as suas escolhas... Bj

    ResponderEliminar