"Um minimercado. Fila para a caixa. Diálogo entre o jovem que segura uma grande embalagem de comida para cão, e a mulher à sua frente na fila.
MULHER: Tem um cão, é?
JOVEM: Se eu tenho um cão.
MULHER: (Sorri) Sim.
JOVEM: Não, minha senhora.
MULHER: (Ligeiramente desconcertada) Ah.
JOVEM: Não tenho nenhum cão.
MULHER: Certo.
JOVEM: Estes biscoitos são para mim.
MULHER: Para si?
JOVEM: Sim, minha senhora. É uma dieta.
MULHER: Uma dieta?
JOVEM: Sim, minha senhora. Bom. Provavelmente, eu nem sequer lhe devia contar isto. Já experimentei algumas vezes, e deixe-me dizer-lhe que resulta bastante bem. Uma pessoa não chega propriamente a comer. Dá-me a fome? Meto uns quantos biscoitos pela goela abaixo. (...) Acordo de noite? Não desço à cozinha para esvaziar o frigorífico. Tenho um pratinho destes biscoitos na mesa de cabeceira, e é só estender o braço e engolir uns poucos. É questão de ter sempre um copo cheio de água ali à mão. Da última vez, perdi doze quilos num mês. Recomendo este método a qualquer pessoa. (...) É claro que, assim como outra coisa qualquer, é preciso saber usar a cabeça. Uma vez, acordei no hospital. (…)
Ao fim de alguns dias uma pessoa já nem quer outra coisa. Recomendo este método a toda a gente, sem dúvida. (...)
MULHER: Mas você disse que acordou no hospital. O que é que lhe aconteceu? Teve uma reação alérgica ou quê?
JOVEM: Ah, não, minha senhora. Não foi nada desse género. Estava agachado no meio da rua, a lamber os tomates, e veio um carro e atropelou-me. Tenha cuidado consigo. Ouviu?"
CORMAC McCKARTHY, escritor norte-americano (1933-), in "O Conselheiro", Ed. Relógio d'Água, 2013
(Hoje, Dia das MENTIRAS!)
(foto net)