24 fevereiro, 2025

Pétala nº 3846


"… o mundo está sempre a morrer, dia após dia

“O mundo está em constante movimento e vibração. A paisagem é a maior das ilusões (…) recordada como se fosse um quadro. A memória cria postais ilustrados, mas não compreende o mundo de modo nenhum. É por isso que a paisagem é tão vulnerável à disposição daqueles que a contemplam. O ser humano vê, na paisagem, os seus próprios momentos, interiores e passageiros. Para onde quer que olhe, vê-se apenas a si próprio. Ponto final.”

OLGA TOKARCZUK, psicóloga e escritora polaca (1962-), in “Casa de Dia, Casa de Noite”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022
Prémio Nobel de Literatura, 2018


“Há dias em que me sinto tão pouco ligada à Terra que as amarras que me prendem ao planeta são finas como teias, como fios de açúcar. Uma rajada mais forte de vento podia soltar-me completamente e eu seria levada pelas correntes como uma semente de dente-de-leão.”

“Suponho que uma das razões pelas quais continuaremos todos a existir ao longo dos anos que nos foram atribuídos nesse vale de lágrimas verde e azul, é que há sempre, por mais remota que possa parecer, a possibilidade de mudança.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


"O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nem consolo. Nenhum olhar."

JOSÉ LUIS PEIXOTO, escritor português (1974-), in "Nenhum olhar", Ed. Quetzal, 2000

(Fotos Teresa Dias - CUBA/Varadero, 2023)


17 fevereiro, 2025

Pétala nº 3845

AMOR e GUERRA, humor e tragédia, são os ingredientes essenciais de “O Adeus às Armas”, um clássico da literatura universal, o terceiro romance de Ernest Hemingway.


“Quando as pessoas defrontam o mundo com tanta coragem, o mundo só pode quebrá-las matando-as, e por isso, é claro, mata-as. O mundo quebra toda a gente (...) Mas àqueles que não consegue quebrar, mata-os. Mata os bons, os muito doces, os muito corajosos, imparcialmente.”


"- Estou farta de cabelo comprido. É muito incómodo de noite, na cama.
- Mas eu gosto dele.
- Não gostavas dele curto?
- Talvez. Mas gosto dele como está.
- Curto talvez ficasse bem. Então ficávamos ambos iguais. Oh, querido, eu queria tanto ser tu!
- E és. Nós somos um só.
- Bem sei. De noite somos.
- As noites são belas!"


“- Está a chover com toda a força.
- E hás-de amar-me sempre, é verdade?
- Hei-de.
- E a chuva não fará diferença?
- Não.
- Ainda bem. Porque eu tenho medo à chuva.
- Porquê?
- Não sei, querido. Sempre tive medo à chuva.
- Eu gosto dela.
- Gosto de passear à chuva. Mas é mau para o amor.
- Eu hei-de-gostar sempre de ti.
- Hei-de amar-te quer chova, quer neve, quer saraive e… que mais é?
- Não sei. Creio que estou com sono.
- Dorme, querido, hei-de amar-te de qualquer maneira.
- Não tens de facto medo à chuva, pois não?
- Quando estou junto de ti não tenho.
- Porque tens medo dela?
- Não sei.
- Diz.
- Não quero.
- Diz.
- Não.
- Diz.
- Está bem. Tenho medo à chuva porque às vezes vejo-me morta no meio dela.
- Não!
(...)"

ERNEST HEMINGWAY, escritor norte-americano (1899-1961), in “O adeus às armas”, Ed. Livros do Brasil, 2001 
 Prémio Nobel de Literatura, 1954

(fotos: PIXABAY)


10 fevereiro, 2025

Pétala nº 3844


“Sempre sozinha, sempre na escuridão.”

“Depois de nos habituarmos a estar sozinhos, torna-se normal.”

"- Já alguma vez pensaste que no interior do teu corpo reina a escuridão total?"

"A escuridão ultrapassa os nossos corpos. Somos feitos de escuridão, viemos ao mundo com ela e ela cresce connosco ao longo da nossa vida."

“Há pessoas, as mais fracas, que temem a solidão. O que não compreendem é que há nela algo de muito libertador; assim que percebemos que não precisamos de ninguém, podemos cuidar de nós próprios. É precisamente essa a questão: é melhor cuidarmos só de nós próprios. Não podemos proteger as outras pessoas, por mais que tentemos. Tentamos, e falhamos, e o mundo desmorona-se à nossa volta (…).”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor,  Porto Editora, 2017


“… quanto mais uma pessoa se sente solitária, menos capacidade tem de navegar pelas correntes sociais. A solidão cresce à sua volta, como bolor, como cotão, um profilático que inibe o contacto, por mais que esse contacto seja desejado. A solidão desenvolve-se por acreção, estende-se e perpetua-se a si própria. Depois de instalada, não é de forma alguma fácil de desalojar.”

OLÍVIA LAING, The Lonely City, citada por GAIL HONEYMAN, in “A Educação de Eleanor”.


"A EDUCAÇÃO DE ELEANOR"
 
«Um livro que tem tanto de perspicaz e de sério quanto de divertido e de cativante.»
(The Observer)

Aconselho vivamente a leitura deste magnífico primeiro romance. Não desista nas primeiras páginas. O melhor vem nas páginas seguintes e mantém-se até ao final, inesperado e surpreendente.

(Fotos: PORTUGAL/ Cascais)

03 fevereiro, 2025

Pétala nº 3843

"Tem de haver poesia, mesmo nos tempos mais sombrios..."
(Zbigniew Herbert)


Se vais fazer uma viagem que seja uma longa viagem
aparente deambulação sem rumo a tactear
para poderes conhecer com o olhar e o tacto a aspereza da terra
e medir-te com o mundo em toda a tua pele
(...)
Se acaso souberes algo silencia o teu saber
estuda de novo o mundo qual filósofo jónico
saboreia a água e o fogo o ar e a terra
eles continuarão a existir quando tudo tiver passado
a viagem prosseguirá embora já não seja a tua
(...)
Descobre a insignificância da fala o poder régio do gesto
a inutilidade dos conceitos a pureza das vogais
com as quais tudo se pode exprimir tristeza alegria fascínio raiva
mas não sintas raiva
aceita tudo
(...)
Assim a haver viagem que seja uma longa viagem
verdadeira viagem da qual não se regressa
réplica do mundo viagem elementar
diálogo com os elementos da natureza pergunta sem resposta
pacto forçado após a batalha
grandiosa reconciliação
 
ZBIGNIEW HERBERT, poeta e ensaísta polaco (1924-98), versos do poemaA viagem”, in “POESIA QUASE TODA Ed. Cavalo de Ferro, 2024

Leia sobre o poeta aqui .




(fotos: PIXABAY)