10 março, 2025

Pétala nº 3848

“Uma mulher a chorar no metro é sempre uma desconhecida. Para os outros e, muito provavelmente, para si própria.”

“… temos sorte até a sorte se esgotar.
Nessa altura, teremos de criar a nossa própria sorte.”

“Como é que nós sabemos, como é que alguém sabe quando passa da fase de ser possível ultrapassar os problemas para a fase em que já é demasiado tarde? Existirá… um interlúdio durante o qual se está tão aborrecido ou desapontado ou tomado pelo arrependimento que é, de facto, demasiado tarde? Ou, mais concretamente, será que chegamos ao é demasiado tarde uma e outra vez, apenas para voltarmos a ultrapassar os problemas antes que chegue o é demasiado tarde outra vez?”

MICHAEL CUNNINGHAM, escritor norte-americano (1952-), in “dia”, Ed. Gradiva, 2024


“A força conquista a fraqueza… é um simples facto da vida, não é?”

“Na vida, temos de empreender acções decididas… Fazer o que queremos fazer… agarrar aquilo que queremos. Quando queremos acabar com alguma coisa, ACABAR. E viver com as consequências.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


“«Quando a vida nos tira uma coisa, dá-nos outra.» Mas às vezes a vida engana-se. Faz batota ao dar as cartas. Às vezes a vida mente-nos, abusa da nossa credulidade.”

“Tornamo-nos aquilo que fazem de nós e que aceitamos.”

“Não se prende a espuma
Na palma da mão
Sabe-se que a vida se consome
E não resta nada
De uma vela que ilumina
Podes ainda decidir o teu caminho
Do teu caminho
Crês que tudo se resume
Ao sal entre os nossos dedos
Quando mais leve que uma pena
Podes guiar os teus passos
Sem tristeza nem amargura
Avançar, avança, pois tudo desaparece.”

VALÉRIE PERRIN, escritora francesa (1967-), in "TRÊS", Ed. Presença, 2023

(fotos: PIXABAY)

Boa semana!


03 março, 2025

Pétala nº 3847

Conversa de mulheres...


“ Sabe Deus o que se passa na cabeça deles diz Maise Dos homens
Eu sei diz Rosin Tentar arrancar duas palavras ao Martin era como fazer uma pedra sangrar Até ao dia em que se virou para mim e me disse que já não me amava
O mesmo com o meu Derek diz Maise É um autêntico bloco de madeira exceto quando está a ver os jogos da primeira divisão É então que liberta as emoções todas Ele e a Sky Sports É o romance do século”


“No último ano e meio nem conseguia com que o Martin olhasse para mim
O meu é tão mau quanto isso diz Geraldine Foi por isso que arranjei o Mickey Misterioso
Comigo é pior diz Maise Anda sempre atrás de mim a querer qualquer coisa
E como é que isso é pior diz Geraldine
Maise inspira profundamente pelo nariz Só estando lá para perceberes diz ela
E tu? Ainda o fazem? Pergunta Geraldine
Quem eu? Diz Imelda
Quem eu? Imita-a Geraldine com uma gargalhada
De vez em quando diz Imelda É sempre muito…
Tenta pensar numa palavra que não certinho mas não lhe ocorre nenhuma
Certinho diz ela
Eu não me importo que seja certinho diz Geraldine
Eu cá não diria que não a um certinho diz Roisin nem hesitava
Não tenho tido muita vontade ultimamente diz Imelda Nenhum de nós tem
Casados e com filhos – o derradeiro antiafrodisíaco diz Geraldine Quem me dera que alguém mo tivesse dito quando estava a pagar dois mil por um vestido de casamento”

PAUL MURRAY, escritor irlandês (1975-), in “A Picada de Abelha”, Ed. Livros do Brasil, 2024


Eu não quero mais chorar
Por causa de um amor qualquer
Minha dor tem que acabar
No carnaval, se deus quiser

GILBERTO GIL, músico, cantor, compositor brasileiro (1942-), versos da canção “Amor de Carnaval”, 2003

É Carnaval... não levem a mal!

(fotos: Pinterest e Pixabay)

24 fevereiro, 2025

Pétala nº 3846


"… o mundo está sempre a morrer, dia após dia

“O mundo está em constante movimento e vibração. A paisagem é a maior das ilusões (…) recordada como se fosse um quadro. A memória cria postais ilustrados, mas não compreende o mundo de modo nenhum. É por isso que a paisagem é tão vulnerável à disposição daqueles que a contemplam. O ser humano vê, na paisagem, os seus próprios momentos, interiores e passageiros. Para onde quer que olhe, vê-se apenas a si próprio. Ponto final.”

OLGA TOKARCZUK, psicóloga e escritora polaca (1962-), in “Casa de Dia, Casa de Noite”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022
Prémio Nobel de Literatura, 2018


“Há dias em que me sinto tão pouco ligada à Terra que as amarras que me prendem ao planeta são finas como teias, como fios de açúcar. Uma rajada mais forte de vento podia soltar-me completamente e eu seria levada pelas correntes como uma semente de dente-de-leão.”

“Suponho que uma das razões pelas quais continuaremos todos a existir ao longo dos anos que nos foram atribuídos nesse vale de lágrimas verde e azul, é que há sempre, por mais remota que possa parecer, a possibilidade de mudança.”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor”, Porto Editora, 2017


"O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nem consolo. Nenhum olhar."

JOSÉ LUIS PEIXOTO, escritor português (1974-), in "Nenhum olhar", Ed. Quetzal, 2000

(Fotos Teresa Dias - CUBA/Varadero, 2023)


17 fevereiro, 2025

Pétala nº 3845

AMOR e GUERRA, humor e tragédia, são os ingredientes essenciais de “O Adeus às Armas”, um clássico da literatura universal, o terceiro romance de Ernest Hemingway.


“Quando as pessoas defrontam o mundo com tanta coragem, o mundo só pode quebrá-las matando-as, e por isso, é claro, mata-as. O mundo quebra toda a gente (...) Mas àqueles que não consegue quebrar, mata-os. Mata os bons, os muito doces, os muito corajosos, imparcialmente.”


"- Estou farta de cabelo comprido. É muito incómodo de noite, na cama.
- Mas eu gosto dele.
- Não gostavas dele curto?
- Talvez. Mas gosto dele como está.
- Curto talvez ficasse bem. Então ficávamos ambos iguais. Oh, querido, eu queria tanto ser tu!
- E és. Nós somos um só.
- Bem sei. De noite somos.
- As noites são belas!"


“- Está a chover com toda a força.
- E hás-de amar-me sempre, é verdade?
- Hei-de.
- E a chuva não fará diferença?
- Não.
- Ainda bem. Porque eu tenho medo à chuva.
- Porquê?
- Não sei, querido. Sempre tive medo à chuva.
- Eu gosto dela.
- Gosto de passear à chuva. Mas é mau para o amor.
- Eu hei-de-gostar sempre de ti.
- Hei-de amar-te quer chova, quer neve, quer saraive e… que mais é?
- Não sei. Creio que estou com sono.
- Dorme, querido, hei-de amar-te de qualquer maneira.
- Não tens de facto medo à chuva, pois não?
- Quando estou junto de ti não tenho.
- Porque tens medo dela?
- Não sei.
- Diz.
- Não quero.
- Diz.
- Não.
- Diz.
- Está bem. Tenho medo à chuva porque às vezes vejo-me morta no meio dela.
- Não!
(...)"

ERNEST HEMINGWAY, escritor norte-americano (1899-1961), in “O adeus às armas”, Ed. Livros do Brasil, 2001 
 Prémio Nobel de Literatura, 1954

(fotos: PIXABAY)


10 fevereiro, 2025

Pétala nº 3844


“Sempre sozinha, sempre na escuridão.”

“Depois de nos habituarmos a estar sozinhos, torna-se normal.”

"- Já alguma vez pensaste que no interior do teu corpo reina a escuridão total?"

"A escuridão ultrapassa os nossos corpos. Somos feitos de escuridão, viemos ao mundo com ela e ela cresce connosco ao longo da nossa vida."

“Há pessoas, as mais fracas, que temem a solidão. O que não compreendem é que há nela algo de muito libertador; assim que percebemos que não precisamos de ninguém, podemos cuidar de nós próprios. É precisamente essa a questão: é melhor cuidarmos só de nós próprios. Não podemos proteger as outras pessoas, por mais que tentemos. Tentamos, e falhamos, e o mundo desmorona-se à nossa volta (…).”

GAIL HONEYMAN, escritora inglesa (1972-) in “A Educação de Eleanor,  Porto Editora, 2017


“… quanto mais uma pessoa se sente solitária, menos capacidade tem de navegar pelas correntes sociais. A solidão cresce à sua volta, como bolor, como cotão, um profilático que inibe o contacto, por mais que esse contacto seja desejado. A solidão desenvolve-se por acreção, estende-se e perpetua-se a si própria. Depois de instalada, não é de forma alguma fácil de desalojar.”

OLÍVIA LAING, The Lonely City, citada por GAIL HONEYMAN, in “A Educação de Eleanor”.


"A EDUCAÇÃO DE ELEANOR"
 
«Um livro que tem tanto de perspicaz e de sério quanto de divertido e de cativante.»
(The Observer)

Aconselho vivamente a leitura deste magnífico primeiro romance. Não desista nas primeiras páginas. O melhor vem nas páginas seguintes e mantém-se até ao final, inesperado e surpreendente.

(Fotos: PORTUGAL/ Cascais)

03 fevereiro, 2025

Pétala nº 3843

"Tem de haver poesia, mesmo nos tempos mais sombrios..."
(Zbigniew Herbert)


Se vais fazer uma viagem que seja uma longa viagem
aparente deambulação sem rumo a tactear
para poderes conhecer com o olhar e o tacto a aspereza da terra
e medir-te com o mundo em toda a tua pele
(...)
Se acaso souberes algo silencia o teu saber
estuda de novo o mundo qual filósofo jónico
saboreia a água e o fogo o ar e a terra
eles continuarão a existir quando tudo tiver passado
a viagem prosseguirá embora já não seja a tua
(...)
Descobre a insignificância da fala o poder régio do gesto
a inutilidade dos conceitos a pureza das vogais
com as quais tudo se pode exprimir tristeza alegria fascínio raiva
mas não sintas raiva
aceita tudo
(...)
Assim a haver viagem que seja uma longa viagem
verdadeira viagem da qual não se regressa
réplica do mundo viagem elementar
diálogo com os elementos da natureza pergunta sem resposta
pacto forçado após a batalha
grandiosa reconciliação
 
ZBIGNIEW HERBERT, poeta e ensaísta polaco (1924-98), versos do poemaA viagem”, in “POESIA QUASE TODA Ed. Cavalo de Ferro, 2024

Leia sobre o poeta aqui .




(fotos: PIXABAY)


27 janeiro, 2025

Pétala nº 3842

"O tempo separa aqueles que se amam..."
(Vzlérie Perrin, in "TRÊS")


"Nunca mais disseram «amo-te» um ao outro. O amor tornara-se uma deficiência oculta. 

Eram agora pessoas tão diferentes que poderiam até mudar de nome e apelido, ir ao registo civil e preencher o seguinte requerimento: «Já não somos as pessoas que éramos. Solicitamos a alteração dos nossos dados pessoais». 
O passar dos anos tudo muda, excepto a saudade.

Como é o mundo quando a vida se torna saudade? Parece que é feito de papel, desfaz-se entre os dedos, desmorona-se.
Cada movimento, observa-se a si próprio, cada pensamento contempla-se a si próprio, cada sentimento tem início, mas não acaba, tornando-se o próprio objecto da saudade ilusório e irreal.
Só a saudade é verdadeira, viciante, impositiva – estar onde não se está, ter o que não se tem, tocar quem não existe. Este estado tem uma natureza variável e contraditória em si mesma. É a quintessência da vida e é contra a vida. Estranha-se na pele, chega aos músculos e aos ossos, que, doravante, começam a existir dolorosamente."

OLGA TOKARCZUK, psicóloga e escritora polaca (1962-), in “Casa de Dia, Casa de Noite ”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022
Prémio Nobel de Literatura, 2018


“- Pensava que as pessoas casadas conversavam sobre tudo.
- De certeza que algumas falam.”

MICHAEL CUNNINGHAM, escritor norte-americano (1952-), in “dia”, Ed. Gradiva, 2024


Fotos de Teresa Dias: 
1 - PORTUGAL/Mafra, 2023
2 - PORTUGAL/Beja, 2022


20 janeiro, 2025

Pétala nº 3841


"A forma como Israel esmagou Gaza é imperdoável."

"Tudo é demasiado extremo, demasiado avassalador."

"... as palavras deixaram de conseguir conter a realidade."

"A última vez que o vi em Lisboa disse que, como escritor, preferia não ter de falar de política. É possível evitar o assunto nestes dias?
Não, é impossível, A política está em todo o lado. A realidade brutal está em todo o lado. O que temos estado a viver nestes 13 meses é para além do acreditável e afeta cada mínima parte da nossa vida. Escrever tornou-se também muito difícil. (…)

Então, se o silêncio já não é uma opção, a escrita também não é…   ?
O silêncio é impensável. Mas sabe, seja o que for que eu disser, posso contradizer-me de imediato. Esta é a natureza da situação: tudo o que possa ser dito sobre ela é certo e verdadeiro, mesmo tratando-se de visões contrárias. Estou também a tentar escrever sobre esta realidade, para mim mesmo, porque preciso de compreender certas coisas através do exercício da escrita. Sinto-me confundido. E as pessoas, em geral, estão deprimidas (…) invadiu-nos um sentimento geral de depressão, os nossos corações estão despedaçados. Todas as pessoas que conheço estão não só melancólicas como profundamente tristes. Eu estou profundamente triste. Creio que não há outra saída após termos conhecido o Mal, a pura maldade daquilo que os seres humanos podem fazer. E, quando digo isto, refiro-me a tudo o que se está a passar, a começar pelo massacre de 7 de outubro.

A guerra desencadeada por Israel é também sem precedentes. Como é acordar todos os dias rodeado dessa violência? 
Significa não ser capaz de viver em paz, e a saber que a partir de agora isso será uma miragem. Que mesmo que a paz seja possível entre Israel e a Palestina, o que há anos defendo e desejo profundamente, não haverá tranquilidade nem o sentimento de estabilidade. Há uma espécie de estreiteza da alma que tomou conta da vida. Uma pessoas só quer encolher-se e proteger-se e proteger aquela superfície da sua alma que entra em contacto com a realidade.

O que vai ficar destes escombros? Como se sai daqui?
Não se sai. Temos sempre de recordar uma coisa: nós e os palestinianos vamos viver lado a lado até à eternidade. Que tipo de paz se pode fazer com um vizinho com quem nos comportamos deste modo? E que tipo de paz pode ele esperar de nós se não reconhece a nossa existência? Estamos apenas a minimizar as hipóteses de ter alguma normalidade no futuro."

"Estamos a sentir e a sofrer, mas também estamos a pensar. Não podemos renunciar a pensar."


DAVID GROSSMAN, escritor israelita e activista pela paz (1954 -), excertos 
da entrevista a Luciana Leiderfarb, revista “E", jornal Expresso, 3 janeiro 2025

(fotos net)


13 janeiro, 2025

Pétala nº 3840


A nossa vida é um instante em aberto. Somos chamados a cultivá-la, sim, com a paciente humildade que um jardineiro reserva ao seu jardim. Este trabalha de sol a sol, com todo o afinco, mas sabe que a semente rebenta sem ele saber como. Felizes aqueles que, em relação à vida, se alimentam do espanto interminável: esses, e só esses, sentirão a passagem inacabada do tempo como uma promessa.”
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal, teólogo e poeta português (1965-) in “Uma beleza que nos pertence”, Ed. Quetzal, 2019

“… o mundo não é um conto de fadas (…) Não, a vida é sacrifício, a vida é entrega, a vida é atitude. Há algo na sociedade de hoje que, de alguma maneira, nos inquieta.”
CARLOS BUNGA, artista plástico português (1976-) in entrevista a Isabel Salema, revista Ípsilon, jornal Público, 4 Outubro 2024

“Não aprendi nada com a existência. O que se aprende com a vida são histórias que contamos a nós próprios. Fim das narrativas. Quando desaprendemos mais do que aprendemos, batemos no fundo e isso dói. Levantamo-nos porque é demasiado cansativo permanecermos deitados.”
Há que caminhar para manter o mundo."
FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), in "CAMINHAR uma filosofia" (2009), Ed. Antígona, 2024



Desejo-lhe um 2025 cheio de... VIDA!


(Fotos PIXABAY)