27 janeiro, 2025

Pétala nº 3842

"O tempo separa aqueles que se amam..."
(Vzlérie Perrin, in "TRÊS")


"Nunca mais disseram «amo-te» um ao outro. O amor tornara-se uma deficiência oculta. 

Eram agora pessoas tão diferentes que poderiam até mudar de nome e apelido, ir ao registo civil e preencher o seguinte requerimento: «Já não somos as pessoas que éramos. Solicitamos a alteração dos nossos dados pessoais». 
O passar dos anos tudo muda, excepto a saudade.

Como é o mundo quando a vida se torna saudade? Parece que é feito de papel, desfaz-se entre os dedos, desmorona-se.
Cada movimento, observa-se a si próprio, cada pensamento contempla-se a si próprio, cada sentimento tem início, mas não acaba, tornando-se o próprio objecto da saudade ilusório e irreal.
Só a saudade é verdadeira, viciante, impositiva – estar onde não se está, ter o que não se tem, tocar quem não existe. Este estado tem uma natureza variável e contraditória em si mesma. É a quintessência da vida e é contra a vida. Estranha-se na pele, chega aos músculos e aos ossos, que, doravante, começam a existir dolorosamente."

OLGA TOKARCZUK, psicóloga e escritora polaca (1962-), in “Casa de Dia, Casa de Noite ”, Ed. Cavalo de Ferro, 2022
Prémio Nobel de Literatura, 2018


“- Pensava que as pessoas casadas conversavam sobre tudo.
- De certeza que algumas falam.”

MICHAEL CUNNINGHAM, escritor norte-americano (1952-), in “dia”, Ed. Gradiva, 2024


Fotos de Teresa Dias: 
1 - PORTUGAL/Mafra, 2023
2 - PORTUGAL/Beja, 2022


20 janeiro, 2025

Pétala nº 3841


"A forma como Israel esmagou Gaza é imperdoável."

"Tudo é demasiado extremo, demasiado avassalador."

"... as palavras deixaram de conseguir conter a realidade."

"A última vez que o vi em Lisboa disse que, como escritor, preferia não ter de falar de política. É possível evitar o assunto nestes dias?
Não, é impossível, A política está em todo o lado. A realidade brutal está em todo o lado. O que temos estado a viver nestes 13 meses é para além do acreditável e afeta cada mínima parte da nossa vida. Escrever tornou-se também muito difícil. (…)

Então, se o silêncio já não é uma opção, a escrita também não é…   ?
O silêncio é impensável. Mas sabe, seja o que for que eu disser, posso contradizer-me de imediato. Esta é a natureza da situação: tudo o que possa ser dito sobre ela é certo e verdadeiro, mesmo tratando-se de visões contrárias. Estou também a tentar escrever sobre esta realidade, para mim mesmo, porque preciso de compreender certas coisas através do exercício da escrita. Sinto-me confundido. E as pessoas, em geral, estão deprimidas (…) invadiu-nos um sentimento geral de depressão, os nossos corações estão despedaçados. Todas as pessoas que conheço estão não só melancólicas como profundamente tristes. Eu estou profundamente triste. Creio que não há outra saída após termos conhecido o Mal, a pura maldade daquilo que os seres humanos podem fazer. E, quando digo isto, refiro-me a tudo o que se está a passar, a começar pelo massacre de 7 de outubro.

A guerra desencadeada por Israel é também sem precedentes. Como é acordar todos os dias rodeado dessa violência? 
Significa não ser capaz de viver em paz, e a saber que a partir de agora isso será uma miragem. Que mesmo que a paz seja possível entre Israel e a Palestina, o que há anos defendo e desejo profundamente, não haverá tranquilidade nem o sentimento de estabilidade. Há uma espécie de estreiteza da alma que tomou conta da vida. Uma pessoas só quer encolher-se e proteger-se e proteger aquela superfície da sua alma que entra em contacto com a realidade.

O que vai ficar destes escombros? Como se sai daqui?
Não se sai. Temos sempre de recordar uma coisa: nós e os palestinianos vamos viver lado a lado até à eternidade. Que tipo de paz se pode fazer com um vizinho com quem nos comportamos deste modo? E que tipo de paz pode ele esperar de nós se não reconhece a nossa existência? Estamos apenas a minimizar as hipóteses de ter alguma normalidade no futuro."

"Estamos a sentir e a sofrer, mas também estamos a pensar. Não podemos renunciar a pensar."


DAVID GROSSMAN, escritor israelita e activista pela paz (1954 -), excertos 
da entrevista a Luciana Leiderfarb, revista “E", jornal Expresso, 3 janeiro 2025

(fotos net)


13 janeiro, 2025

Pétala nº 3840


A nossa vida é um instante em aberto. Somos chamados a cultivá-la, sim, com a paciente humildade que um jardineiro reserva ao seu jardim. Este trabalha de sol a sol, com todo o afinco, mas sabe que a semente rebenta sem ele saber como. Felizes aqueles que, em relação à vida, se alimentam do espanto interminável: esses, e só esses, sentirão a passagem inacabada do tempo como uma promessa.”
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, cardeal, teólogo e poeta português (1965-) in “Uma beleza que nos pertence”, Ed. Quetzal, 2019

“… o mundo não é um conto de fadas (…) Não, a vida é sacrifício, a vida é entrega, a vida é atitude. Há algo na sociedade de hoje que, de alguma maneira, nos inquieta.”
CARLOS BUNGA, artista plástico português (1976-) in entrevista a Isabel Salema, revista Ípsilon, jornal Público, 4 Outubro 2024

“Não aprendi nada com a existência. O que se aprende com a vida são histórias que contamos a nós próprios. Fim das narrativas. Quando desaprendemos mais do que aprendemos, batemos no fundo e isso dói. Levantamo-nos porque é demasiado cansativo permanecermos deitados.”
Há que caminhar para manter o mundo."
FRÉDÉRIC GROS, filósofo, professor, escritor francês (1965-), in "CAMINHAR uma filosofia" (2009), Ed. Antígona, 2024



Desejo-lhe um 2025 cheio de... VIDA!


(Fotos PIXABAY)